Vulnerária brigantina
Anthyllis vulneraria subsp. sampaioana (Rothm.) Vasc.
Do centro de Bragança à aldeia de Alimonde são 12 quilómetros por uma estrada com curvas moderadas que, contornando a vertente norte da serra da Nogueira, nos permite um vislumbre de alguns bonitos carvalhais de Quercus pyrenaica. Ainda mal saímos da cidade, já uma placa na estrada nos convida a exprimir, algo prematuramente, o nosso deleite com a paisagem observada: Gostei, proclama a tabuleta. Embora evitando a estridência das maiúsculas e do ponto de exclamação, quem colocou a tabuleta teve a arrogância de dar voz ao que presume serem os nossos sentimentos. Ou afinal não é bem assim, pois várias fontes asseguram que o Gostei da placa é mesmo o nome de uma povoação. Comemorará tão singular topónimo algum remoto visitante ilustre que, no final da estadia, terá proclamado, qual César em tempos de paz, vim, vi e gostei?
Deixemos o mistério para ser deslindado por algum historiador local em opúsculo editado pela junta de freguesia, e avancemos até Alimonde. No início de Junho já a Primavera vai dando sinais de cansaço, mas nos taludes florescem ainda algumas orquídeas tardias. Em vários pontos, o amarelo sulfuroso do Alyssum serpyllifolium denuncia a presença de rochas ultrabásicas. Já perto de Alimonde, em local onde os desbastes frequentes depauperaram a vegetação arbustiva, um amarelo mais vivo cobre centenas de metros quadrados de uma ladeira, penetrando no interior de um pinhal. Trata-se da versão para substratos ultrabásicos da vulnerária (Anthyllis vulneraria), uma leguminosa rasteira, com folhas pinadas e flores de cálices insuflados agrupadas em glomérulos terminais, que encontramos, sob múltiplos disfarces, em ecologias muito diversas, incluindo terrenos calcários, rochas costeiras e dunas.
Um olho não treinado em subtilezas botânicas satisfaz-se com esta diferença óbvia: no nosso país, a vulnerária brigantina é a única com flores amarelas; as outras (as das praias do noroeste ou as dos calcários do centro, por exemplo) têm-nas geralmente vermelhas ou rosadas, havendo ainda, em Trás-os-Montes, uma vulnerária anual de aspecto débil, A. vulneraria subsp. lusitanica, que dá, frequentemente, flores de cor creme. Por essa Europa fora, contudo, ou mesmo apenas na Península Ibérica, a cor das flores é fraco critério para distinguir as dezenas de subespécies de A. vulneraria. A subespécie nominal, que não ocorre nos países ibéricos mas é a mais abundante nas zonas costeiras dos países do norte da Europa, dá normalmente flores amarelas (veja-se esta foto tirada na Cornualha, em Inglaterra). Nos Pirenéus há plantas de flores amarelas que são diferentes das de Bragança, embora as opiniões a esse respeito sejam desencontradas. E ao longo da Cordilheira Cantábrica, em substratos calcários, encontra-se a subsp. alpestris, igualmente de flores amarelas.
Como se explica tal variabilidade dentro de uma só espécie? Sabe-se que a Anthyllis vulneraria tem uma forte tendência para a autogamia. Com isso, as diversas populações ficam reprodutivamente isoladas, acabando por desenvolver peculiaridades morfológicas que podem justificar algum reconhecimento taxonómico. Nem todos os autores valorizam por igual essas variações: as subespécies reconhecidas por uns podem não o ser por outros, e o âmbito geográfico de certa subespécie pode ser mais ou menos amplo de acordo com a interpretação que dela se faz. O exemplo da A. vulneraria subsp. sampaioana é esclarecedor: para alguns, trata-se de um endemismo das rochas ultrabásicas do nordeste português; para o revisor do género na Flora Iberica, exactamente a mesma subespécie ocorre nos Pirenéus e nos Alpes.
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