Uma espécie de justiça
Na obra Species Plantarum (1753), de Lineu, pode ler-se na página 15 a primeira descrição da Justicia hyssopifolia, endemismo das ilhas de Tenerife e La Gomera. O texto, em latim como era obrigatório e é ainda hoje recomendado (embora se permita o inglês), informa que se trata de uma espécie com folhas linear-lanceoladas e flores bilabiadas axilares, solitárias e de cor esbranquiçada — contrastando com a maioria das espécies de Justicia, que se prezam pelas flores garridas em arranjos muito vistosos. Quanto ao habitat, fica precisamente in insulis Fortunatis, designação feliz e realmente apropriada para as ilhas Canárias.
Justicia hyssopifolia L.
Ironicamente, foi no Barranco do Inferno, em Tenerife, que vimos estes exemplares de Justicia hyssopifolia. A visita a este barranco, com muitas rochas em tons claros a encandear os passeantes incautos sem óculos escuros, e um micro-clima escaldante e quase desértico, é paga. Cada visitante recebe então um mapa com a duração máxima permitida em cada troço do percurso e um capacete devidamente desinfectado que deverá usar para se proteger de possíveis derrocadas de pedras. A duração da visita é controlada por olheiros que, ao longo do barranco, evitam que os visitantes saiam dos trilhos, colham plantas e flores ou façam demasiado ruído, se concentrem, estragando, em locais de maior biodiversidade, ou nadem nas piscinas na base da cachoeira que é servida como troféu no fim do passeio — magrinha mas muito apreciada dada a sua raridade nesta ilha sem rios. Com a demora para observar as inúmeras plantas em detalhe, e o respeito devido pela fotografia perfeita, ultrapassámos em muito o tempo recomendado de permanência no barranco. Valeu-nos um grupo grande de alemães idosos cujo avanço no caminho foi frequentemente nulo ou mesmo negativo, e que devolveram os capacetes muito depois de nós.
Justicia é dos géneros mais populosos da família Acanthaceae, com cerca de 900 espécies conhecidas. Crê-se que tenha origem nas regiões de clima quente temperado, alimentando na América, África e Índia várias espécies de borboletas (como a Anartia fatima). Apesar de tão disseminada, e de o arquipélago da Madeira estar próximo, não há registo de endemismos conhecidos da família Acanthaceae nessas ilhas.
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