Trevo do inferno
Lotus eriophthalmus Webb [= Dorycnium eriophthalmum (Webb) Webb & Berthel.]
Esbarrar na parede é muitas vezes a sina de quem procura explicação para os nomes das plantas. Vejamos o Dorycnium: ensina a Flora Iberica que o nome vem, por via latina, do grego Dorýknion, e terá sido dado na antiguidade a um pequeno arbusto de folhas prateadas a que hoje chamamos Convolvulus cneorum, e também, sem qualquer semelhança ou relação com este, à peçonhenta figueira-do-inferno (Datura stramonium). Estes dois exemplos bastam para comprovar que o termo em si é desprovido de significado, podendo ajustar-se, como um pronto-a-vestir versátil, a qualquer planta que careça de nome. O francês Tournefort (1656–1708), antecessor de Lineu, chamou Dorycnium a um género de plantas leguminosas, e o inglês Philip Miller (1691-1771), outro dos pioneiros da moderna taxonomia, acolheu a sugestão, umas décadas mais tarde, no seu The Gardeners Dictionary. Curiosamente, o nome foi também usado por Lineu, mas como epíteto específico: Lotus dorycnium foi como ele chamou ao Dorycnium pentaphyllum. De facto, muitas das espécies posteriormente conhecidas como Dorycnium (incluindo as três que são espontâneas em Portugal) foram por Lineu incluídas no género Lotus.
Os Lotus costumam ser herbáceas mais ou menos rasteiras, enquanto que os Dorycnium atingem porte arbustivo e têm geralmente caules lenhosos. Mas a flora da Madeira e das Canárias ensina-nos que bastam uns poucos milénios de evolução para que se dê o salto entre o pequeno e o grande, e entre o herbáceo e o lenhoso. Se ignorarmos o tamanho e atendermos à morfologia das folhas e das flores, a diferença entre Dorycnium e Lotus não é muito convincente. Pior ainda: a variação dentro do género Dorycnium é de tal ordem que certas espécies assemelham-se mais a alguns Lotus do que às suas supostas congéneres.
Chegados ao século XXI, os estudos moleculares vieram dar razão a Lineu, com vários artigos a sustentar que o género Dorycnium deveria ser absorvido pelo género Lotus. A maioria das espécies transferidas foi integrar uma mesma secção do género Lotus, apropriadamente chamada Dorycnium, mas entre as que ficaram noutras secções estão as três que são endémicas das ilhas Canárias. Isso significa que essas espécies (incluindo a das fotos) estão evolutivamente mais próximas de alguns Lotus convencionais (como o L. creticus e o L. azoricus) do que das suas ex-congéneres europeias (como o D. pentaphyllum). Assim, mesmo que houvesse razões para manter Dorycnium como género indpendente, as espécies das Canárias teriam que ser arrumadas noutra gaveta.
Os três “Dorycnium” canários são arbustos que podem alcançar os dois metros de altura, todos muito semelhantes, distinguindo-se pela coloração das flores e pela pilosidade (ou ausência dela) nos cálices. O “Dorycnium” eriophthalmum, que ocorre em cinco ilhas (El Hierro, La Palma, Grã-Canária, Tenerife e La Gomera), é, ainda que escasso, o mais comum dos três; fotografámo-lo no Barranco do Inferno, em Tenerife. Os outros são “Dorycnium” spectabile, de flores rosadas, endémico de Tenerife, e “Dorycnium” broussonetii, com flores de cor creme como as do D. eriophthalmum mas de cálice hirsuto, que é endémico de Tenerife e da Grã-Canária; ambos estão em perigo de extinção.
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