08/05/2021

Jardim da Boneca



É em Abril e Maio que as urzes, sargaços e malmequeres pintam de roxo, branco e amarelo as encostas da serra da Boneca, contrastando essa policromia com o negrume do xisto estratificado em lâminas aguçadas. Aproveitemos agora que os nossos pastores não proíbem a visita para admirarmos este panorama apenas com um leve sentimento de culpa — pois afinal somos imperfeitos, incapazes de nos conformamos com o recolhimento domiciliário ad aeternum em nome do bem comum. Já aqui falámos das flores da Boneca, e todas elas continuam por lá a chamar-nos. Mas hoje damos destaque a uma planta anual discreta que poucas vezes é avistada no norte do país, apesar de a Flora Iberica garantir a sua existência em todas as províncias de Portugal continental. Não esperaríamos encontrá-la tão perto do Porto, e na Boneca só a vimos ladeando um antigo trilho numa encosta íngreme e pouco frequentada.

Chaetonychia cymosa (L.) Sweet


De porte erecto e grácil mas de curta estatura — quase sempre menos que 10 cm —, a Chaetonychia cymosa, que se distribui pelo oeste da bacia mediterrânica (Portugal, Espanha, França, Marrocos, Tunísia, Córsega e Sicília), é uma planta de prados anuais em substratos siliciosos mais ou menos secos, admitindo, contudo, algum encharcamento no Inverno. É fácil de reconhececer pelo caule avermelhado e pelas folhas carnudas e lineares, dispostas em grupos bem espaçados. As flores reúnem-se em umbelas no extremidade das hastes, o que à vista desarmada faria supor tratar-se de uma umbelífera. Mas se puxarmos da lupa logo vemos que as flores desmentem a pertença a essa família. São flores difíceis de interpetrar: parecem constituídas por três peças brancas, engrossadas, rematadas por um ápice afiado. Fazem contudo lembrar as do Illecebrum verticillatum (planta comum em lugares húmidos) e as de certas espécies de Paronychia, não sendo pois de estranhar a inclusão da planta na família Caryophyllaceae. Aliás, a Chaetonychia cymosa começou por chamar-se Illecebrum cymosum, nome atribuído por Lineu, e hoje em dia há quem proponha mudá-la para o género Paronychia.

Se sabemos já em que linhagem a Chaetonychia cymosa encaixa, falta-nos ainda perceber-lhe a flor. Flor essa que, de facto, não tem pétalas, e em que são as sépalas (as tais peças brancas engrossadas) que cumprem a função decorativa e atraem os polinizadores. Cada flor tem cinco sépalas desse tipo, três delas maiores, rodeando e ocultando as outras duas. A parte reprodutiva da flor (ovário e estames) fica escondida no ninho formado pelas sépalas. Com tão estreito canal de acesso, adivinha-se que os insectos capazes de oficiar as núpcias, colhendo e transportando o polén de flor em flor, tenham de ser minúsculos. Até pode acontecer não estarem disponíveis, recorrendo então a flor à autofecundação. De facto, a autogamia é prática comum na tribo Paronychieae (que inclui Paronychia, Illecebrum e Chaetonychia e uma dezena mais de géneros), optando às vezes as flores pela clistogamia — significando isto que não chegam a abrir e mesmo assim conseguem fecundar-se.

1 comentário :

bettips disse...

Tão lindo e tão perto! Bem hajam por mostrarem.
Aproveito estar aqui para vos falar da Casa de S. Roque, não pelas espécies que mal distingo mas pelas árvores imponentes e a colina que tem uma paz e uma vista diferentes, deixada um pouco ao acaso dos anos. Não imaginava e não sei se conhecem.
Abçs