03/10/2021

Erva-branca de São Lourenço



No dia em que tínhamos as horas contadas, e antes de nos metermos a caminho para o extremo oriental da ilha (que não alcançaríamos), empoleirámo-nos que nem cabritos numas rochas com vista para o mar e, ignorando o infinito azul, virámos toda a atenção para a erva-branca (ou selvageira) de São Lourenço. Que não é uma erva, mas um arbusto (este povo é decididamente incorrigível), e não o voltaríamos a encontrar no resto da tarde por ele estar ausente das escarpas mais acidentadas do promontório.

Sideritis candicans var. crassifolia Lowe


Que este arbusto é branco, ou pelo menos revestido de uma lanugem branca que às vezes foge para o prateado, é um facto indesmentível inscrito no seu próprio nome científico: o epíteto candicans significa esbranquiçado. Em contraste com a riqueza das Canárias, onde as espécies de Sideritis somam quase trinta, a Sideritis candicans é a única do seu género no arquipélago da Madeira. E, sendo flagrante a sua semelhança com a S. cretica e com outras suas congéneres de Tenerife, é por certo no arquipélago vizinho que a Sideritis madeirense tem os seus antepassados mais próximos.

O que na Madeira se perde em diversidade é compensado pela abundância, pois a selvageira é comum em quase toda a ilha, desde os meandros enevoados da laurissilva até às falésias húmidas da costa norte. Se ela é assim corriqueira, como justificar o alvoroço por a termos encontrado em São Lourenço? Sucede que nem todas as selvageiras têm o mesmo aspecto, e as diferenças morfológicas entre as diversas populações de Sideretis candicans motivaram a descrição de três variedades: além da variedade nominal, a mais comum das três, reconhecem-se as variedades multiflora e crassifolia. Esta última, que se distingue das demais pelo aspecto mais compacto, inflorescência mais densa e folhas mais pequenas, é exclusiva da Ponta de São Lourenço e tida como muito rara. Comuns às três variedades são as folhas com margens levemente crenadas e a corola de um amarelo sulfuroso, com o tubo completamente aninhado no cálice lanudo. É instrutivo notar, em várias Sideritis canarinas (por exemplo nesta, de flores com o mesmo tom de amarelo), como o tubo da corola extravasa claramente do cálice.

Independentemente da variedade, o auge da floração da selvageira (e de quase todas as espécies macaronésicas de Sideritis) parece ocorrer na primeira quinzena de Abril; embora as espigas se mantenham por longo tempo, as flores são efémeras e esquivas. Mas, mesmo com flores murchas, é útil, para comparação, mostrarmos os exemplares da var. candicans que fotografámos em Maio no litoral de São Vicente.

Sideritis candicans Aiton var. candicans

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