19/10/2021

Mostardas endémicas da Madeira

As plantas do género Coincya, a que chamamos mostardas, têm em Portugal continental representantes que diferem bastante no porte, no hábito mais ou menos rasteiro e no tipo de folhas, mas mal se distinguem pelas flores. Seja a espécie das dunas, de montanha ou de terrenos baldios, os racimos de flores são modestos, os cálices das flores são manchados de tom púrpura e as pétalas têm a cor que associamos ao tempero homónimo (o molho feito, em geral, de azeite, vinagre e sementes de espécies de Sinapis ou Brassica). De algum modo, a adaptação a novos habitats destas crucíferas fez-se em formato económico, preservando-se o que serve a vários locais e mudando-se apenas o necessário. Podemos rever essa lição de sobrevivência, no colonizar eficiente de nichos variados, através de um exemplo do arquipélago da Madeira. Ali há um género endémico de mostardas, Sinapidendron, que abriga seis espécies, todas elas com flores coloridas por este amarelo inconfundível da mostarda, mas cada uma com o seu tipo de folhagem.

Comecemos pela espécie costeira de Sinapidendron que é abundante nas escarpas rochosas do litoral norte da ilha da Madeira, especialmente entre a ribeira do Tristão e a ponta de São Jorge: o S. gymnocalyx. As plantas desta espécie são subarbustivas, perenes, folharudas e com cerca de um metro e meio de altura. As folhas são ovadas, enormes (21 cm x 15 cm), um pouco ásperas e de margem serrilhadas junto ao ápice. Chamar-lhe couve-do-mar não é uma ofensa. O exemplar das fotos é do litoral de São Vicente, a que acedemos por um túnel desactivado, escuro e chuvoso, seguindo depois por uma estrada antiga igualmente sem uso, sinuosa e pejada de pedregulhos, mas com taludes magnificamente revestidos de vegetação.

Sinapidendron gymnocalyx (Lowe) Rustan


Sigamos para a região montanhosa da ilha, mais ventosa e fria, onde estão o Pico do Areeiro, o Curral das Freiras, o Caldeirão Verde e algumas das localizações mais notáveis da laurissilva. As plantas congéneres, das espécies Sinapidendron frutescens ssp. frutescens (do centro montanhoso) e Sinapidendron rupestre (do norte), ainda que lenhosas, são agora de pequeno porte. A primeira tem hastes florais longas, folhas carnudas, glabras ou com pêlos curtos, de margens levemente crenadas. A segunda é mais pubescente, com hastes florais ramificadas e folhas híspidas de margens irregularmente dentadas. Nenhuma delas é frequente; da S. rupestre, a mais rara das duas, só lhe vimos as folhas numa haste sem flores, ao longo da levada do Caldeirão Verde.

Sinapidendron frutescens Lowe subsp. frutescens


Do Sinapidendron angustifolium, comum em vertentes ensolaradas e rochosas no litoral sul da Madeira, quase à beira das ondas, já vos contámos o essencial aqui. As folhas são lineares e fininhas, como indica o epíteto específico.

No litoral norte da ilha da Madeira há um outro Sinapidendron que se diz ser bastante mais raro. Vimos alguns exemplares em flor no Calhau de São Jorge, num talude que margina uma estrada empedrada de inclinação muito acentuada. Este percurso é regularmente aspergido com herbicida, para que os turistas admirem o zelo com que na Madeira se cuida da natureza. Os funcionários da Câmara local, talvez já afectados pelo veneno com que borrifam o chão, justificaram a limpeza drástica com o resmungo «Tem de ser, senão o caminho desaparece» (curiosamente, antes de haver herbicidas podíamos-nos perder num caminho, como ainda hoje, mas ele nunca desaparecia). Trata-se do Sinapidendron frutescens ssp. succulentum, de folhas glabras, espessas e com margens quase inteiras.

Sinapidendron frutescens subsp. succulentum (Lowe) Rustan


Finalmente, há uma espécie de Sinapidendron endémica da Deserta Grande, onde nunca estivemos, que aprecia locais expostos e soalheiros. É o raríssimo S. sempervivifolium, decerto a espécie de Sinapidendron com folhas e flores mais pequenas. Os caules são erectos e ramificados, as folhas basais suculentas e crenuladas no ápice. As fotos que vimos destas plantas mostram um nítido contraste entre a folhagem densa bem agarrada à rocha, as inflorescências globulosas cor-de-mostarda e o ambiente marciano, com solo seco, pedregoso e avermelhado, da Deserta. A propósito, será mais difícil, daqui a alguns anos, desembarcar nas Desertas para fotografar plantas do que ir a Marte colher amostras de pó.

1 comentário :

Teresa Maria Jardim de Freitas disse...

Excelente publicação!
Grata!