06/12/2022

Cravos de Outono

É fácil ser planta. A vida é um pouco parada, é certo, mas não lhe falta um propósito nem uma agenda de tarefas, que cumpre escrupulosamente. Com os dias geridos pelos genes, não se aflige com o destino ou com a morte, nem busca uma razão divina para a sua presença no planeta. Tem de competir por espaço e recursos, mas não inicia uma guerra por isso. Trata-se apenas de sobreviver até garantir descendência, e nisso o tempo, nosso inimigo, é o seu maior aliado.

Ainda que a comparação com as espécies animais seja inapropriada, e neste âmbito seja raro haver certezas, parece que, quando existem, as raízes funcionam como o cérebro das plantas, coordenando as várias fases do seu ciclo de vida. As flores, porém, dedicadas àquela que é a tarefa mais relevante para a espécie, são criadas para serem belas e atrairem polinizadores. Não admira que durem pouco. Em milhões de anos, por adaptação a novos polinizadores ou a novos habitats, as flores podem mudar bastante de forma, tamanho, época de maturação e período de abertura. E de pétalas.

Dianthus broteri Boiss. & Reut.


As pétalas fimbriadas, ou de margens finamente divididas, parecem um esforço de beleza um pouco exagerado, mas é um pormenor presente na floração de inúmeras famílias. A função biológica desse detalhe na pétala, em geral o orgão mais simples da flor, varia com as espécies. Dizem que é bastante comum naquelas que os polinizadores visitam de noite. Percebe-se porquê: para o reconhecimento da flor, mal o insecto aterra nela, ajuda tactear a textura da flor e sentir o aroma do néctar; mas a aproximação dos insectos à flor faz-se confiando na informação visual. Ora, é garantido que, na escuridão do fundo, a franja longa das pétalas, em combinação com a sua coloração clara e o movimento das fímbrias, aumenta a visibilidade das flores.

Se o leitor já usou, para aromatizar a casa, uns frasquinhos de líquido perfumado onde se mergulham umas varas finas de madeira dispostas em cone, ou em leque, talvez conjecture, como alguns botânicos, que a divisão fina das pétalas pode também servir para espalhar melhor o perfume das flores, sinalizando sem ruído a sua presença. Faltam testes comparativos e experiências de campo credíveis para tornar plausível esta explicação. Mas sabe-se que, em milhões de anos de adaptações, houve espécies cujas flores mudaram de figurino, ganhando e perdendo a franja nas pétalas várias vezes. Um evoluir da arquitectura das corolas em tudo semelhante ao rodopio anual da nossa moda de Outono-Inverno.

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