12/12/2022

Sargacinho da levada



As montanhas sobranceiras a Güímar, em Tenerife, guardam um dos segredos mais inesperados da maior ilha das Canárias. A cerca de 1060 metros de altitude, corre uma levada esculpida nas encostas rochosas, furando túneis e debruçando-se em abismos de causar vertigens. Tal como na Madeira, é possível caminhar vários quilómetros ao longo da levada, tendo sempre a máxima cautela para não dar um passo em falso. Não há quaisquer resguardos para evitar quedas, e de facto vêem-se, no início do percurso, muitas tabuletas desencorajando os visitantes a aventurarem-se na caminhada. Não tendo acatado tais conselhos, avançámos sempre com prudência. Afinal, se na Madeira tivéssemos respeitado todas as proibições não teríamos visitado nem a levada do Caldeirão Verde nem a da Ribeira da Janela, e o nosso conhecimento da flora madeirense seria mais pobre.

Apesar de levar pouca água e de atravessar lugares não muito verdejantes, a levada de Güímar prometia-nos acesso a tesouros botânicos de outro modo inalcançáveis. À altitude a que aqui estamos, a vegetação é dominada pelos pinheiros-das-Canárias (Pinus canariensis), mas nestas encostas quase verticais a arborização é esparsa e presente apenas nos lugares mais resguardados. É sobretudo a vegetação herbácea e arbustiva que nos atrai a atenção: várias suculentas do género Aeonium, as estreleiras (género Argyranthemum), as emblemáticas canarinas (Canarina canariensis) e os simpáticos dragõezinhos (Dracunculus canariensis) são presença regular ao longo do passeio. Mas é só depois de atravessarmos o primeiro túnel (200 metros, uma brincadeira comparado com os da Madeira) que nos surge a mais rara das plantas que vimos nesse dia: uma pequena cistácea arbustiva de um género eminentemente mediterrânico, Helianthemum, que está bem representado na flora portuguesa, sobretudo na metade sul do país.

Helianthemum broussonetii Dunal


O sargacinho que viemos incomodar no seu esconderijo chama-se Helianthemum broussonetii. Endémico de Tenerife e La Palma, distingue-se dos seus congéneres (há dezasseis espécies de Helianthemum nas Canárias, a maioria endémicas) pelas folhas lanceoladas e relativamente grandes (até 2,5 cm de comprimento), e pelo indumento de pêlos curtos (em contraste com o aspecto hirsuto do Helianthemum teneriffae, endémico de Tenerife). Floresce de Maio a Junho e tem preferência por lugares de altitude elevada, tanto assim que há quem lhe chame jarilla de monte. Como invariavelmente sucede na família das cistáceas, as flores duram poucas horas antes de deixarem cair as pétalas. Por isso o encontro com uma planta florida é sempre uma ocasião feliz, e o fotógrafo sabe que não há tempo a perder: a foto é para tirar agora, pois no regresso pode já ser tarde.

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