Vulnerária arbustiva
Como todos o paraísos insulares acessíveis a famílias de posses moderadas, Maiorca tem farta dose de empreendimentos turísticos com vista para o mar, cenicamente enquadrados pelo arvoredo incumbido de representar a natureza em estado puro. Que, como é sabido, se aprecia muito melhor se for tomada em pequenas doses, com intervalos à hora certa para preguiçosas refeições em esplanadas soalheiras. Não estamos propriamente na selva amazónica, nem essa comunhão com a natureza é para levar tão a sério que nos obrigue a prescindir das comodidades da civilização. Contudo, acaba por ser surpreendente que essa natureza utilitária, retalhada por urbanizações, não seja apenas bonita como é sua obrigação profissional, mas se revele extensa, genuína, e recheada de atractivos para amadores de botânica.
Junto ao aldeamento turístico Sol de Maiorca, na costa sudoeste da ilha, os pinhais de Pinus halepensis estendem-se por 7 ou 8 quilómetros quadrados, cruzados por estradões e trilhos que dão acesso a falésias, a praias recatadas e a um farol solitário. Mesmo em Dezembro há aqui flores para admirar: açafrão, urzes, globulária-arbustiva, fradinhos, uma ou outra orquídea temporã. E ainda um arbusto de flores amarelas e folhagem acetinada que faz lembrar uma giesta, mas difere de todas as giestas que conhecemos em Portugal.
No nosso rectângulo continental, as leguminosas do género Anthyllis estão representadas por uma única espécie, a vulnerária, herbácea rasteira que, sob diversas formas, aparece em areais costeiros, em afloramentos rochosos cálcarios ou ultra-básicos, e em clareiras de bosques. Apesar de as suas flores variarem entre o vermelho, o rosa, o amarelo e o creme, a vulnerária é facilmente reconhecida pela folhas compostas imparipinadas e pelos glomérulos florais longamente pedunculados, aconchegados por um colarinho de brácteas, formados por flores de cálices insuflados; e igual figurino é adoptado pela endémica madeirense Anthyllis lemanniana. Assim, nada na nossa experiência prévia de curiosos da botânica nos permitia adivinhar que um arbusto com mais de um metro de altura, com flores axilares dispostas aos pares, era afinal um Anthyllis. Serve de alguma consolação que Lineu lhe tenha chamado Anthyllis cytisoides — denunciando o epíteto a semelhança deste arbusto com as giestas do género Cytisus. Mais uma vez a culpa da nossa ignorância cabe à repartição desequilibrada entre Portugal e Espanha do património natural ibérico. O caso dos Anthyllis é gritante: das doze espécies ibéricas (e metade delas são lenhosas), onze couberam em exclusivo aos nossos vizinhos.
Além de frequentar os pinhais de Maiorca e das demais ilhas Baleares, a Anthyllis cytisoides vive em boa parte da região mediterrânica ocidental: França, Espanha, Argélia e Marrocos. Tem preferência por substratos calcários e, sendo intolerante a geadas, busca climas cálidos e áridos próximos da costa. É boa fornecedora de néctar e uma reputada planta melífera.
1 comentário :
Mais uma beldade fascinante!
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