São Jorge das fajãs
Estamos algures em São Jorge, num dia quente de Agosto, a olhar uma fajã bem lá no fundo. A descida nem se afigura complicada, mas cada passo adicional pelo trilho abaixo seria cobrado com altíssimos juros na subida. Os que fazem o caminho todo é porque tencionam pelo menos pernoitar. Espera-os um quintal para amanhar e levam consigo o suficiente para ficarem dois ou três dias. Vistas a esta distância as casas parecem de brinquedo, e de perto também não são para levar muito a sério: são no máximo compostas por duas divisões e não é certo que disponham de água canalizada, saneamento ou electricidade.
Há fajãs mais acessíveis, servidas por ziguezagueantes estradas asfaltadas ou de terra batida transitáveis por veículos motorizados. Contudo, as fajãs a que só se chega a pé por caminhos esconsos são um estímulo para a imaginação e um atavismo desafiante neste século de turismo de massas. As vidas intermitentes que lá decorrem só podem ser vagarosas, formatadas pela lonjura e pela privação ainda que voluntária. Para melhor as respeitarmos, preferimos efabulá-las em vez de tentar conhecê-las de perto.
A Fajã do Nortezinho fica quase no extremo oriental de São Jorge, também na costa norte. É uma fajã elevada, quase cem metros acima do nível do mar, mas o único modo de lá chegarmos, por um caminho largo e sem obstáculos, é a pé, com o desnível do percurso excedendo os 450 metros. Na fajã só existe uma casa, que, a julgar pelas imagens de satélite, terá sido construída há uns quinze anos. Da próxima vez que formos a São Jorge reservaremos tempo e fôlego para não nos quedarmos, como desta vez, a meio da descida. Aquela casa esconde um mistério que, na verdade, pouco nos interessa desvendar. Atraem-nos mais as grandes urzes recortadas contra o azul do mar, acompanhadas por paus-brancos, folhados e faias, e por um elenco de herbáceas (como o Ammi trifoliatum e a Scabiosa nitens) que só existem nos Açores e que, para nós, já são parte da família.