Em busca da serrátula perdida
Estudos recentes parecem indicar que, num formigueiro, nenhuma formiga é insubstituível. Nem mesmo a rainha, responsável pela renovação da população de formigas, tem essa prerrogativa. E a sobrevivência de cada colónia de formigas depende da eficiência e versatilidade da maioria dos seus habitantes. O sucesso desta estratégia é inquestionável: diz-se que a população de formigas (nome genérico para inúmeras espécies) na Terra excede os 20 mil biliões de indivíduos. Contudo, a quem valoriza o talento individual, encara a especialização no trabalho como um objectivo e cataloga a sociedade pelo tipo de emprego que cada um tem, esta estrutura da sociedade das formigas soa inverosímil. É certo que as tarefas que conseguimos listar para uma formiga não se nos afiguram demasido complexas. Mas a coordenação de um número muito elevado de formigas, que age aparentemente sem um líder como se se tratasse de um único ser vivo múltiplo, requer que cada formiga seja pouco exigente e não muito especializada. Entre nós, pelo contrário, há aquelas pessoas excepcionais que, tendo atingido um tal grau de mestria no seu trabalho, são de facto inigualáveis. Exemplo? Um vigilante da natureza depois de duas ou três décadas de caminhadas pelos inúmeros recantos do parque natural que tem a seu cargo proteger. Quando se reforma, todos lamentam a perda de memória sobre um vasto território natural, e reconhecem que a sua erudição sobre bosques, turfeiras, riachos, montanhas, flora, fauna, conservação da natureza e biodiversidade será difícil de recriar. Foi um destes notáveis vigilantes da natureza, entusiasmado e bem disposto, com um à-vontade invejável a calcorrear as penedias do Parque Natural da Peneda-Gerês, que ajudou alguns botânicos a encontrar perto da Fonte Fria um núcleo desta asterácea muito rara.


A Klasea legionensis é um endemismo do noroeste da Península Ibérica, havendo dela registos no Gerês, em Zamora e em Ourense, e encontrando-se a maior população da espécie nas margens do lago de Sanábria. A primeira notícia da presença desta planta em Portugal foi dada em 2008 na revista Silva Lusitana por Íñigo Pulgar e Miguel Serrano, que descobriram um núcleo junto à fronteira entre o Parque Nacional da Peneda-Gerês e o Parque Natural Baixa Limia-Serra do Xurés, com exemplares de ambos os lados.
Estas são plantas perenes, de uns 80 cm de altura, apreciadoras de solos ácidos, que vivem em taludes levemente inclinados ou em orlas de matos rasteiros de urze vermelha e carqueja, em zonas montanhosas acima dos 1000 metros de altitude. Os seus indivíduos adultos, por razões que desconhecemos, decidem por vezes não florir durante vários anos seguidos, e o de 2024 terá sido um desses anos de repouso porque, na nossa visita à Fonte Fria, só vimos um exemplar em flor, vizinho de muitos outros reduzidos à roseta de folhas basais. Ao contrário das formigas, a K. legionensis parece incapaz de reagir a adversidades ambientais: recua com o adensamento dos matos e mostra-se pouco apta a colonizar novos habitats. A sua área global de distribuição tem-se reduzido dramaticamente nos últimos anos, e no Gerês contam-se, ou contavam-se até há poucos anos, cerca de 90 indivíduos. Morar em zona pouco frequentada por visitantes ou beneficiar da proteção dedicada dos vigilantes da natureza talvez sejam ajudas insuficientes para evitar que desapareça.

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