Barranco de la Garrofa, 2.ª parte
A jusante do viaduto da auto-estrada e de uma outra ponte que vista de perto revela ser um aqueduto (sem água), prosseguimos a exploração botânica das margens do rio de areia. Estamos no barranco de La Garrofa, província de Almeria, a uns 700 metros da linha de costa. É Abril, as temperaturas têm estado amenas, choveu na véspera e voltará a chover nos próximos dias; as plantas aproveitam para cumprir o seu ciclo de vida antes de se recolherem para suportar o estio, que nestas paragens começa cedo. As que hoje mostramos estão bem equipadas para sobreviver às altas temperaturas, seja pela hibernação (perdendo a parte aérea na estação desfavorável), seja sob a forma de sementes (por serem plantas anuais). Todas elas, afinal, têm populações de ambos os lados do Mediterrâneo: é como se fossem plantas africanas que, na Europa, apenas admitam viver no sul da Península Ibérica.


Este elegante têucrio de aspecto felpudo, de seu nome Teucrium pseudochamaepytis, tem das flores mais vistosas do seu género. Com folhas peludas e distintamente trifoliadas, é uma planta de porte modesto que, apesar das hastes florais erectas, não vai além dos 40 cm de altura. Vive em lugares pedregosos áridos sobre substratos básicos, e é frequente no Algarve.
Alhos há muitos, e a distinção entre eles nem sempre se faz à vista desarmada. O Allium subvillosum é outra especialidade ibero-norte-africana que em Portugal está confinado ao Algarve. Além de morar em barrancos pedregosos, também é habitual encontrá-lo em dunas. Não fossem a sua distribuição e ecologia, poderia a um olhar mais distraído confundir-se com outros alhos de flor branca como o A. neapolitanum e o A. massaessylum. Ajuda notar que essas espécies têm folhas glabras e que o Allium subvillosum, em obediência ao epíteto específico, as tem com margens ciliadas. Há um outro alho branco, A. subhirsutum, com uma distribuição mediterrânica mais ampla mas não presente em Portugal, que visualmente é quase indistinguível do A. subvillosum. Para uma distinção segura, recomenda a Flora Iberica que analisemos a túnica que reveste o bolbo, o que obviamente não pode ser feito sem que o desenterremos. Sacrificar uma planta por motivo tão fútil é prática que não podemos recomendar.





As duas últimas convidadas de hoje nunca foram vistas no reino de Portugal e dos Algarves, e quem quiser encontrá-las tem mesmo de ir a Espanha ou a Marrocos. A Silene secundiflora é uma planta anual, rasteira, de folhas basais espatuladas. As flores de pétalas rosadas e bífidas seguem o figurino habitual no género Silene, pelo que a planta é mais fácil de reconhecer quando já frutificada, com os cálices insuflados em forma de balão, de cor leitosa, com listas de um castanho avermelhado. Também a vimos nas Baleares, em Menorca, igualmente sobre calcários mas num habitat mais fresco.





Por último, temos um Senecio ou erva-loira que faz lembrar, de modo alarmante, o sul-africano Senecio inaequidens. Esse potencial invasor chegou ao litoral minhoto no início deste século e, desde então, tendo-se embora expandido consideravelmente pelo nosso território, ficou algo aquém das previsões mais pessimistas; disseminado também por várias províncias espanholas, ainda não parece ter sido avistado em Almeria. No portal iNaturalist, diversas observações no sul de Espanha de um alegado S. inaequidens (por exemplo, esta e esta) referem-se de facto ao Senecio malacitanus, nosso convidado de hoje, que é endémico do sul de Espanha e do norte de África (Argélia e Marrocos). A distinção entre as duas espécies nem sequer é problemática: como se pode observar nesta foto, as folhas do S. inaequidens são auriculadas na base (têm dois apêndices laterais bem desenvolvidos que abraçam o caule), e esse carácter, como se comprova na última foto acima, está ausente no S. malacitanus. Além do mais, as folhas do S. malacitanus são mais estreitas e têm margens claramente revolutas. Desfeita a confusão, fica no entanto a perplexidade por duas espécies morfologicamente tão afins terem origens geográficas tão distantes.