Maleiteiras maiores e menores
Contando com mais de 2000 espécies distribuídas por zonas tropicais, subtropicais ou temperadas de todo o mundo, o género Euphorbia ocupa, de acordo com as mais recentes contagens, apenas o sexto lugar no campeonato dos géneros botânicos mais populosos. Contudo, se o critério for o da diversidade morfológica, é difícil que outro género lhe leve a palma: desde pequenas árvores (como a açoriana E. santamariae ou a madeirense E. mellifera) a plantas suculentas com aspecto cactóide (como a E. canariensis ou a E. handiensis), desde arbustos lenhosos profusamente ramificados a herbáceas anuais ou perenes dos mais diversos tamanhos, desde plantas agressivamente espinhentas (como a E. milii) a outras delicadamente inermes (como a E. pulcherrima), não há forma ou feitio que as eufórbias não tenham alguma vez experimentado. E a pergunta impõe-se: que haverá de comum em plantas aparentemente tão diversas para elas serem arrumadas no mesmo género botânico?
É nas flores que as plantas revelam a sua filiação, e não há inflorescências mais peculiares que as das eufórbias. A componente básica é o ciátio, pequena estrutura em forma de taça que contém numerosas flores masculinas rudimentares, reduzidas a um único estame, rodeando uma flor feminina com três estigmas; os frutos são cápsulas com três sulcos longitudinais. (Esta descrição está ilustrada nas fotos 7 a 9 em baixo.) Não há pétalas nem sépalas, mas em certas espécies tropicais o conjunto pode ser alegrado por brácteas de cores vistosas. Nas espécies europeias, a modesta função ornamental, destinada apenas a atrair polinizadores, é tarefa dos quatro ou cinco nectários, amiúde amarelos ou vermelhos, que bordejam cada ciátio.
Mesmo que não estejam armadas com espinhos, as eufórbias sabem proteger-se. Quase todas as espécies do género produzem um látex altamente irritante para a pele, e é por isso péssima ideia arrancá-las à mão ou por meios mecânicos sem nos protegermos com luvas e viseiras. Daí muitas delas serem conhecidas por nomes como leiteira ou maleiteira: o leite não é de beber, mas há a crença, nem sempre infundada, de que as propriedades cáusticas do látex podem ajudar a sarar certas feridas ou maleitas da pele.


As maleiteiras que hoje mostramos, todas elas fotografadas no sudeste de Espanha, entre Granada e Almeria, cingem-se à ortodoxia do que deve ser uma eufórbia europeia normal. Por nada terem de extravagante, é como se fossem já nossas velhas conhecidas mesmo quando as encontramos pela primeira vez.
Formando moitas arredondadas com cerca de um metro de altura, a Euphorbia squamigera aguardava-nos na estrada da vertente norte da serra de Alhamilla que liga o pico Colativí ao deserto de Tabernas. Fiadas de arbustos que diríamos abundantemente floridos de amarelo guarneciam algumas dezenas de metros da berma da estrada. Feita a paragem e a obrigatória inspecção, o arbusto revelou-se uma eufórbia, e o amarelo vistoso afinal pertencia às brácteas e não às flores. A Euphorbia squamigera, que se reparte entre o sul de Espanha e o norte de África, parece ser escassa em toda a sua área de distribuição, e por isso serão poucos os troços rodoviários como este. É de estranhar que, em toda a descida, não nos tenhamos cruzado com mais gente que fosse, como nós, apreciar tão raro espectáculo.

Reduzindo a escala, debruçamo-nos agora sobre maleiteiras de menor porte. Tendo nós subido ao topo da serra Nevada para encontrar a Euphorbia nevadensis, garante a Flora Iberica que tal esforço não seria necessário, pois a espécie vegeta, a altitudes pouco superiores a 1000 metros, na generalidade das cadeias montanhosas do sul de Espanha. Trata-se de uma herbácea perene, rizomatosa, glabra, com múltiplos caules erectos ou prostrados, cada qual com não mais que 40 cm de comprimento. As inflorescências são umbeliformes, os frutos apresentam-se moderamente rugosos, e os nectários, de um amarelo alaranjado, são rematados por curtos apêndices.

A Euphorbia flavicoma, por nós também encontrada na serra Nevada, é uma espécie de distribuição mediterrânica que só em 2018 passou a integrar oficialmente a flora portuguesa, ao ser descoberta por Miguel Porto algures no concelho de Rio Maior. Na serra Nevada, talvez por adaptação às condições agrestes, é uma planta rasteira, miúda e bastante discreta. Distingue-se pelas inflorescências curtas e pouco ramificadas, pelos nectários vermelhos e sem apêndices, e pelas cápsulas muito verrucosas.

A Euphorbia dracunculoides, a menor das maleiteiras hoje no escaparate, é uma planta anual de porte exíguo, raramente excedendo os 20 cm de altura. Encontrámo-la no Cabo de Gata, no litoral de Almeria. Para lhe vermos os detalhes, a ajuda de uma lupa é indispensável, pois cada ciátio tem de 1 a 2 mm de diâmetro. Assim equipados, podemos constatar que os nectários apresentam apêndices longos e filiformes, e que as cápsulas são inteiramente lisas e com sulcos bem vincados.
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