Virtudes da maleza
No sul da província de Almeria, a mancha branca das estufas estende-se da costa até ao sopé da serra de Gádor, lambendo-lhe os pés como se fosse um grande lago defeituoso, incapaz de reflectir o recorte da montanha. Dos cumes descem barrancos que, de muitos em muitos anos, podem converter-se em ribeiras torrenciais quando há borrasca da grossa. Subimos por um dos barrancos, escolhido mais ou menos ao acaso, num dia de Abril em que a chuva, posto que moderada, fez questão de marcar o ponto. Talvez a nossa presença tenha induzido as nuvens a confundir as áridas paisagens andaluzes com as verdes paragens nortenhas.
Rambla de la Maleza era como se chamava o barranco em questão. Rambla é o nome que se dá em espanhol ao leito seco de um rio, e maleza significa mato ou vegetação rasteira. Nome inteiramente apropriado, mas que se ajustaria não menos bem a muitas dezenas de acidentes geográficos similares na mesma região. Como é nossa sina, foi a maleza que nos trouxe a este lugar, a maleza que em Almeria nunca nos deixou ficar mal. Em seguida mostramos três das plantas mais assinaláveis que compunham a maleza desta rambla.

Vulgarmente conhecidas como corriolas, as plantas do género Convolvulus e de outros géneros aparentados (como Ipomoea e Calystegia) reconhecem-se pelas flores em forma de trombeta, sem pétalas individualizadas. Muitas delas são herbáceas anuais, sendo esse o caso da espécie mais comum em Portugal, Convolvulus arvensis, e de várias outras que surgem sobretudo na metade sul do país: C. tricolor, C. siculus, C. meonanthus e C. humilis. Em contraste com estas temos as espécies lenhosas, de que a maioria vive nas ilhas da Macaronésia (exemplos aqui e aqui) mas contando-se entre as excepções o Convovulus fernandesii, endemismo da serra da Arrábida. O Convolvulus lanuginosus, que acima ilustramos, situa-se entre estes dois extremos por ser uma herbácea perene de base lenhosa. Os caules, erectos ou prostrados, densamente penugentos, atingem os 60 cm de comprimento, as folhas são lineares e sésseis, e as flores, de um cor-de-rosa pálido, têm uns 3 cm de diâmetro. Ausente de Portugal, distribui-se pela costa mediterrânica de Espanha, sul de França e Marrocos.

Sendo incontroverso que cardos há muitos, o cardo-arbóreo (Carthamus arboreus) exibe uma envergadura que o impõe a toda a concorrência: atinge os três metros de altura, e as suas hastes grossas, muito ramificadas, são bastamente guarnecidas com folhas coriáceas e espinhentas. Apesar de a floração ser ainda incipiente no início de Abril, não podíamos deixar de aqui registar o nosso encontro com um gigante que, à sua maneira, não deixa de ser amável — se nos mantivermos a uma distância respeitosa.
Tal como as duas plantas anteriores, esta giesta, de seu nome Genista spartioides, não existe em Portugal, embora não nos faltem giestas de aspecto semelhante. Uma delas é a G. cinerascens, que ocorre em Trás-os-Montes e na Beira Alta: é também uma giesta sem espinhos, de porte não muito elevado (fica-se pelo metro de altura), com caules profundamente estriados. É instrutivo notar, porém, que a G. cinerascens tem folhas persistentes, presentes em simultâneo com as flores, enquanto que as folhas da G. spartioides são muito fugazes, em geral ausentes aquando da floração. Além disso, e como se observa na última foto acima, as flores da G. spartioides têm uma quilha muito saliente, que por vezes quase duplica o comprimento das asas. Esta última característica permite facilmente destrinçar a G. spartioides de congéneres suas que ocupam habitats semelhantes na província de Almeria. Sirva de exemplo uma quase sósia da G. cinerascens, a G. jimenezii, ilustrada abaixo com fotos obtidas no Cabo de Gata.

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