31/12/2004

Ponto, parágrafo

A espera pela meia-noite do dia 31 de Dezembro parece sempre uma das mais longas de que há memória, como se a física que rege o tempo se alterasse nesses fins de calendário. Por isso há que recorrer à imaginação para a preencher. Podemos optar por um demorado passeio num dos parques da cidade, a apreciar o aroma dos eucaliptos ou as magnólias a abotoar, assunto vasto para a conversa mais tarde com a família; ou ir ao Jardim Botânico do Porto conhecer um exemplar de Macadamia.


Fotos: pva 0412 - folhagem e sementes de Macadamia spp.

Esta árvore de origem australiana é da família Proteacea (tal como os géneros Banksia ou Grevillea) e as espécies integrifolia e tetraphylla (ou seus cultivares) produzem sementes que são consideradas as mais saborosas entre os frutos secos que hoje em dia se consomem. O nome homenageia John Macadam, médico e químico do século XIX, amigo de Ferdinand von Muller, botânico em Melbourne que primeiro nomeou este género. O exemplar do Jardim Botânico tem folha perene, ovada, ondulada no bordo, com cerca de 14 cm de comprimento, sem lóbulos e só ligeiramente serrada (diz-se inteira, daí que suspeitemos que seja integrifolia), de cor verde brilhante. As flores da macadâmia são brancas ou rosadas e desabrocham em cachos, num efeito ornamental muito vistoso; os frutos nascem em drupa, como nas palmeiras, depois dos 7 anos de idade da árvore. A plantação desta árvore com intenção comercial foi iniciada em 1858 em Queensland pelo administrador do Brisbane Botanical Garden; hoje o primeiro produtor é o Havai seguido pela Austrália e África do Sul, uma meia dúzia de países onde a macadâmia partilha com sucesso o solo e o clima favoráveis à planta do café, e outros interessados no preço elevado que esta semente tem no mercado.

Depois de uma tarde frutuosa a estudar esta árvore rara entre nós, merecemos o banquete de fim-de-ano. Como relata Miguel Esteves Cardoso, em A causa das coisas (1991), «Começa-se com um aperitivo, para aguçar um dente que já está perfeitamente vampiresco desde o meio-dia. (...) Depois do aperitivo, como «a comidinha demora», pedem-se «umas coisinhas para petiscar». Os portugueses não petiscam em vez de almoçar: petiscam porque vão almoçar. Chegam então aquelas partes do porco que servem para a locomoção, para o olfacto e para a audição, todas elas reciladas num molhinho com pesados pêsames de alho e coentrada. Juntamente com uns queijinhos para «fazer boca», e umas azeitoninhas para fazer companhia, servem para «ir comendo». «Ir comendo», como já sabemos, não conta como comer. A quantidade colossal de pão que se consome ao mesmo tempo - as chamadas «buchas» - também não conta, porque se destina a um fim essencialmente humanitário, que é «fazer a cama ao vinho». (...) Tecnicamente, os petiscos terminam quando principia a refeição propriamente dita (o «conduto»). (...) Impõem-se agora - precisamente - uma sopinha (talvez de grão, certamente com massa). Para quê? - poder-se-á perguntar. Para «assentar». (...) Depois dos petiscos para abrir o apetite, do conduto para dar força, do pão para fazer a cama, do arrozinho para ensopar e da sopa para assentar, vem a sobremesa para «tirar o gosto da sopa», a fruta para «desenjoar» e o bagacinho para «fazer a digestão».»

E umas deliciosas macadâmias para receber o novo ano.

2 comentários :

Anónimo disse...

Obrigado por esta prenda de fim de ano. Saio do ano velho confortado. Que mais árvores tenham boa vida entre nós. Abraço

bea disse...

Virão destes frutos os gelados de macadâmia da Haagen dazs?

MEC, como não gosta de ser chamado, é estiloso na escrita.

Apresentar as árvores é uma coisa muito bonita. Seja quando seja. E conhecer a apresentação também

Parabéns, Maria