18/10/2007

Devagar se vai

Quinta-feira, 4 de Outubro, Centro Cultural e de Congressos de Angra. A bilheteira deveria abrir às oito da tarde, mas só cinco minutos depois é que chega o funcionário. Entra no cubículo, confere o conteúdo da pasta, ordena metodicamente os papéis; escoados alguns minutos, atende por fim o primeiro cliente, começando por lhe estender uma planta do auditório. Há alguma hesitação e troca amena de impressões sobre as vantagens ou desvantagens dos lugares com mesa sobre os lugares de bancada. Decidida a compra, é preciso assinalar na planta - a laranja ou a verde, segundo uma regra que só o funcionário domina - os lugares vendidos, e escrever nos bilhetes, a esferográfica, os respectivos números. São 8h15 quando chega a vez do segundo cliente; a bicha tem uma vintena de pessoas; o concerto está marcado para as 9h30. Não se ouviu sequer uma palavra de impaciência: o ambiente é de conversa entre amigos no fim de tarde morno da ilha; e o concerto, como todos sabem, não começaria antes das dez.

Sábado, 6 de Outubro, Praça Velha. Confirmo que é daqui que partem, de hora a hora, as camionetas para a Praia. São 10 da manhã, deve estar a chegar uma, mas o meu informador não aguarda transporte: está ali por ser o lugar certo para pôr o falatório em dia. Fico a saber tudo sobre a visita do Presidente da República só de ouvir as conversas. Vejo passar autocarros militares e outro com meninas de uniforme, mas a camioneta de que estou à espera tarda em aparecer. Quando vem, não nos deixa entrar. Acaba por se ir embora, para ser substituída, dez minutos depois, por outro veículo com outro motorista. Enquanto esperamos, um funcionário da EVT (Empresa de Viação Terceirense) fica a fazer-nos companhia com ar de plácida ociosidade. Um patusco oferece-se para lhe trazer uma cadeira ou mesmo um sofá. Ouvem-se risos. Ninguém resmunga com a demora.

Moral das histórias. Ter pressa é uma doença tipicamente continental que os ilhéus só conhecem de ouvir falar. Ao fim de poucas horas nas ilhas, mesmo os doentes mais graves entram em remissão, e a cura fica completa ao segundo dia. (Inversamente, o regresso ao Continente faz ressurgir num ápice todos os sintomas da doença.) É por isso um contra-senso que esteja a ser alargada a única via rápida da Terceira, que liga, pelo interior da ilha, a cidade de Angra ao aeroporto das Lajes e à Praia da Vitória. Uma auto-estrada é a negação grosseira da pachorrenta índole insular; ninguém aqui precisa dela. De quem terá sido a ideia de tão absurda empreitada?


Cichorium intybus

Onde se fala de flores. As flores que costumavam enfeitar as bermas da estrada, no percurso do aeroporto para Angra, foram varridas com as terraplenagens. Sobraram, aqui e ali, algumas beladonas e, mais raras, umas pequenas flores azuis que então não pude identificar (o taxista estranharia se lhe pedisse que parasse para as observar), mas que reencontrei na Praia e no interior da ilha. Trata-se da chicória, planta muito usada como substituto barato ou aditivo para o café e que, no final do século XIX, antes de as ilhas se especializarem na produção de gado leiteiro, chegou a ser cultivada comercialmente nos Açores. Como não tem cafeína, a bebida que com ela se prepara terá pelo menos a virtude de não ser excitante, o que combina na perfeição com o modo de vida insular.

2 comentários :

a d´almeida nunes disse...

Parece que estou aver a Praça Velha.
Tenho que voltar à Terceira. Urgentemente...
A chicória! Boa dica!
António

Anónimo disse...

No final dos anos 60 ainda havia uma torrefação de chicória em S. Miguel, algures entre Santa Cruz e Água de Pau, na costa sul. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)