30/05/2011

Do Gerês para Crestuma

Saxifraga lepismigena Planellas

Que a botânica não é uma ciência exacta impõe-se como uma evidência a quem se interesse por plantas. Os taxonomistas não parecem prezar nem a coerência nem o senso comum. Nada lhes parece dar mais gozo do que afirmar que duas plantas aparentemente iguais pertencem a espécies diferentes — a não ser a afirmação oposta de que duas plantas obviamente diferentes são na verdade a mesma coisa. Não são poucos os especialistas que passam de uma posição à outra sem perderem a compostura.

A Saxifraga lepismigena fornece um bom exemplo desta compulsão em distinguir o que não se distingue. A planta é uma sósia perfeita da Saxifraga clusii, tão perfeita que a Flora Iberica gasta praticamente as mesmas palavras para descrever uma e outra espécie. Um único detalhe as diferencia: a S. lepismigena, ao contrário da sua irmã gémea, opta por vezes pela reprodução vegetativa, substituindo algumas flores por bolbilhos. No entanto, a variação análoga e muito mais notória que ocorre no Allium vineale é, no mais recente consenso dos especialistas, destituída de relevância taxonómica.

Que um pormenor insignificante tenha levado à emancipação da Saxifraga lepismigena acaba por ser bom, pois com isso ganhámos um endemismo para o noroeste peninsular (a S. clusii atravessa os Pirenéus e é também francesa). É uma planta que disputa com a também nortenha Saxifraga spathularis o título de mais bela do seu género na região. Uma é hirsuta, outra é glabra, ambas têm uma roseta de folhas basais e hastes de uns 30 cm com as flores dispostas em panícula. A S. lepismigena dá flores mais pequenas (8 mm de diâmetro) e de um design mais requintado, mas a S. spathularis ganha em motivos decorativos, com cinco pintas por pétala contra duas da sua adversária.

A S. lepismigena, que em Portugal se restringe ao Minho, Trás-os-Montes, Douro Litoral e Beira Litoral, vive em locais ensombrados e com humidade permanente. Tem uma preferência por lugares de altitude (acima dos 500 m), e é relativamente frequente no Gerês (menos, porém, que a S. spathularis). Contudo, as plantas que fotografámos vivem em Crestuma, no Parque Botânico do Castelo, a uma altitude que deverá rondar os trinta metros. E ninguém as levou para lá: trata-se claramente de uma população espontânea. É lamentável que as plantas não leiam a Flora Ibérica.

3 comentários :

Anónimo disse...

Olá Paulo.
Ainda este fim de semana estive no Gerês - Pitões e Cap. S.João da Fraga - e a caminho do Gerês fotografei-a. ou foi à sua sósia? Lançaste a dúvida a um leigo que tão só se deleita em calcorrear e fotografar e agora vou ter que me desenvencilhar em verificar se fotografei o que devia e com a resolução necessária.
Mas bem hajas por me irem enchendo o pote do conhecimento.
Abraço e até breve.
Carlos Silva

Paulo Araújo disse...

Olá Carlos.

Deve ter sido esta a planta que fotografaste. Para os lados de Pitões ela é frequente - e, além disso, a floração da "sósia" (S. spathularis, que até é bastante diferente para quem observe com atenção) já deve ter passado.

Abraço,
Paulo

Anónimo disse...

Olá Paulo
De facto foi esta que fotografei a 1 km da Alb.Salamonde,numa paragem de fotos;a S. spathularis é diferente agora que revi as fotos e já a fotografara no Rio Conho,Pte das Cervas,há 2-3 anos, e mesmo na Estrela,só que não a levara ao registo botânico-civil e dera-lhe o nome de bronchialis!!!Tretas de leigo. Já agora: os lírios do gerês estavam em profusão e belíssimos, talvez aproveitando a janela-luz que o incêndio do ano passado provocou.Só lamentei não ter voltado a ver a planta que me levou lá:só fotografara há 2 anos um enorme fruto;certamente uma bolbosa.Mas haverá mais oportunidades para descobrir.
Abraço.
Carlos Silva