13/05/2011

Maios-pequenos



Gynandriris sisyrinchium (L.) Parl.

As palavras depõem / contra o coração, / que não quer dizer nada / nem ouvir nada. (...) / Como me calarei? Sem que palavras?
Manuel António Pina, Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança (1999)

Os lírios, alguns exclusivamente ibéricos, já estão na forja e não tardarão a vir aqui exibir-se. Mas é preciso gastar a Primavera com parcimónia, por isso antes vamos conhecer este quase-lírio que floresce entre Abril e Maio e cujas flores duram apenas meio dia.

Dir-se-á que algumas fotos, ainda que esmeradas, a ilustrar um texto técnico não chegam para tanto. Realmente é mais elucidativo e entusiasmante encontrar as plantas (no limite sul da serra dos Candeeiros), medir-lhes o porte (não mais que 20 cm de altura), verificar a forma das folhas (em espada, com estrias), reconhecer o azul de lírio (por vezes pálido, quase cinzento) das flores e dar conta da mancha branca e amarela com que elas (que têm apenas 3 cm de diâmetro) sobressaem no campo. Contudo, a linguagem é complacente com a ciência, e poucas palavras bastarão para que o leitor consiga, quando a vir, reconhecer esta planta.

Do género Gynandriris, que já foi Iris e é essencialmente sul-africano, há duas espécies na Europa e só esta, a que algum povo chama pé-de-burrico, ocorre em Portugal. Da região mediterrânica, oeste da Ásia e metade sul da Península Ibérica, a Gynandriris sisyrinchium aprecia terrenos incultos, arribas no litoral e prados secos de montanha. As flores abrem ao fim da tarde para que, durante a noite, o contraste entre o azul e o branco ainda frescos atraia polinizadores que também optam pela lide nocturna, e a flor possa, de manhã, dar por encerrado o horário de expediente.

Como nos lírios, cada flor tem três pétalas exteriores descaídas — de base estreita, parte terminal reflexa e sem penugem — e três outras interiores (os estandartes) erectas e mais delgadas. Mas, apesar de unidas na base, não formam o tubo característico dos lírios; além disso, cada haste parece feita de papel de embrulho e tem duas a cinco flores, enquanto que as dos lírios são em geral solitárias. Há ainda diferenças no bolbo, mas dessas não guardámos registo porque não os havia desenterrados.

Gynandriris deriva de gyne, feminino e andros, masculino, em alusão à união dos estames com o pistilo numa só coluna, permitindo, caso Maio venha frio, que a flor não abra e opte pela auto-polinização.

9 comentários :

lis disse...

Encantada com a beleza das flores e a descrição primorosa .
Um portal encantador!
Parabéns , vou voltar todo dia.rs
abraço Maria Carvalho

James disse...

Lindíssimos Lirios. O meu comentário vai no entanto noutro sentido. tenho reparado que as paginas portuguesas de botânica na Wikipédia só se referem apenas à realidade do Brasil. acho isso verdadeiramente vergonhoso, por exemplo recentemente pesquisei sobre a família das Ranunculáceas que é uma das minhas preferidas e não existia nada sobre as espécies existentes em Portugal. o que podemos fazer para mudar isso, sei que vocês são conhecedores da flora de Portugal podiam ajudar?Obrigado. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ranunculaceae

Luz disse...

Há tanto tempo que não via pés-de burrico!!!
Obrigado!

Teófilo M. disse...

Quando venho por aqui sempre aprendo qualquer coisa.
Hoje, foi que este lindo lírio se chamava também pé-de-burrico.
Boa noite!

Anónimo disse...

Burrico ou não, sempre o descubro por gostar tanto dele! E no meu lugar hoje aparece precisamente um deles, já crescido e provavelmente tratado
mas com o despeiteio roxo deles.
Abçs da bettips

bettips disse...

... o "despenteio" das pétalas, era o que queria dizer. Porque isto agora é preciso cuidadinho com a linguagem: para não nos deixarmos nivelar por baixo como os snrs da tv.
Abç da bettips

Nuno Dempster disse...

No Alentejo (Évora), nas charnecas, por esta altura, vêem-se maios, que se assemelham a pequenos íris, mas com uns 5 ou 7 cm de altura apenas. Penso que não são os mesmos. Serão?

Paulo Araújo disse...

Só mostrando fotos (pode enviá-las para o endereço dias.com.arvores(at)sapo.pt) é que poderemos ter a certeza. Parece-me um bocado tarde para o Gynandriris sisyrinchium ainda estar em flor no Alentejo. Mas não sei que outra planta possa ser.

Nuno Dempster disse...

Pelo nome latino fui ao Google / Imagens e são esses mesmos. Na realidade, florescem na primeira quinzena de Maio e disseram-me que até já se anteciparam para fins de Abril com o aquecimento global. Não estou no Alentejo. Estudei lá, e trouxe essa maravilha nos olhos para a Beira Alta. Muito Obrigado.