31/07/2010

O mestre dos disfarces

Allium vineale L.


Se alguma vez um vinho o desapontou, revelando-se aquém das expectativas apesar da origem demarcada, talvez a culpa não fosse da casta de uvas nem das aduelas, mas do alho-das-vinhas. É que o aroma a alho em todas as componentes desta planta é tão forte que por vezes contamina indesejavelmente as herbáceas vizinhas e a carne do gado que a consome. O que, sendo útil num crème tiède à l'ail et au jambon noir, é bastante desagradável em leite ou champanhe. E os produtores que se servem de herbicidas (ainda?) depressa descobrem que nesta daninha não vale a pena gastar uma gota: as folhas são cerosas e estão estreitamente unidas ao caule; e o bolbo sabe proteger-se com uma fina casca.

Contudo, esta planta perene, nativa da Europa, norte de África e Médio Oriente, pouco exigente em nutrientes e água, é um exemplo de bom governo. Até à floração reduz-se a folhas longas mas basais, tubulares e ocas como bambus (e por isso se distingue bem de outros alhos e cebolas). No Verão lança uma única haste floral que pode atingir um metro de altura e enfeita-lhe o topo com uma "inflorescência" cónica de cerca de 5 cm de diâmetro na base. A justificação para as cautelosas aspas está na foto à esquerda em baixo: o que deveria ser uma inflorescência foi substituído por uma medusa de bolbilhos aéreos que brotaram sem terem existido flores; uma bolbilhescência, diríamos. Tomam forma presos à mãe até serem bolbos adolescentes de barbicha rala — a folhinha verde, longa e frágil que cada um lança; nessa altura saem de casa para se enraizarem como novas plantinhas e logo ajudarem à desgraça dos agricultores, gastrónomos e escanções, insinuando-se sub-repticiamente entre os produtos durante as colheitas. Em geral, encontram-se bolbilhos e flores em proporções variadas: ou só flores (evento raro que a foto à direita em cima mostra; cada flor não tem mais que 5 mm de comprimento), ou só bolbilhos, ou uma média distinta destas entre bolbilhos e flores.

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