03/11/2005

Outono & amor-perfeito


Fotos: pva 0510 - Viola spp.

«Informa-se oficialmente que chegou o outono, tempo de anêmona, begônia, ervilha-de-cheiro, gerânio e, principalmente, amor-perfeito. (...) Continuo lamentando que nosso tempo abomine flores, a não ser a margarida padronizada que hoje se pinta nos automóveis. Esse desamor não será levado a seu crédito, no dia em que os tempos prestarem contas ao Eterno.

Os amores-perfeitos não falam só a linguagem dos corações, que é controvertida e feita mais de silêncios que de fonemas e sintagmas. São expressivos em si, e passo a palavra a Hermes Moreira de Sousa, que entende do riscado: Quando bem aberta e de tamanho regular, a flor do amor-perfeito se apresenta como se tivesse um rosto, concorrendo o colorido que possui para exercer um efeito apelativo sobre o observador. E continua: As flores estão sempre voltadas para a direcção de onde provém maior irradiação solar, e os rostos apresentam-se como que parados, atentos. (...)

Pensée, pansy, heart's-ease, como quer que se lhe chame, há sempre o reconhecimento de certa propriedade sensitiva ou reflexiva no amor-perfeito. Não é (não seria) mera flor para adorno, anódina, meio boba: tem atitude, comportamento de gente, entre delicado e nobre.»

Carlos Drummond de Andrade, in Correio da Manhã (1969)

2 comentários :

Anónimo disse...

Eu faco um jogo comigo propria sempre que venho ao Dias com Arvores. Qd comeco a ler uma entrada comeco a adivinhar quem dos tres a escreveu. ;-) Nao tenho preferencias; gosto do estilo dos 3 e tb gosto de saborear as diferencas. E sao muitas as diferencas... as palavras que usam...a entoacao... a aproximacao/contexto... as fotografias. Por vezes e' dificil, mas este e' um daqueles tipicos em que nao me podia enganar. Tem a watermark da Maria desde a primeira palavra.

Amores-perfeitos...
Na minha adolescencia usei um dicionario pesado e amarelecido que ja' tinha sido usado pela minha mae. La' dentro encontrei imensos amores-perfeitos
secos e "prensados". Sempre me senti grata por esta prenda. E imaginava o que e' que na altura lhe passaria pela cabeca para secar amores-perfeitos. Estaria apaixonada? Deve ter sido por isso que ganhei o habito de prensar folhas e flores em livros. Para uns isto deve ser uma heresia porque as folhas e flores podem "destilar" oleos e outros liquidos que o papel absorve e traduz em manchas. Mas eu sou assim, herege e ainda mais herege por nao me ralar nada por ser herege; risco, rabisco, sublinho, dobro paginas, marco paginas com tudo o que tenho a mao. So' nao vale arrancar paginas e sujar as paginas com dedos gordurosos de oleos alimentares. Ai' sim, ai' o gato mia feio.

n.b.: Isto claro que nao e' uma apologia da selvajaria em livros, eu gostava de nao ser assim mas ja' percebi que esta e' a minha maneira de me relacionar com os livros. E claro que nao tenho livros raros, como por exemplo a 10 edicao do Systema Naturae, e nao faco heresias em livros de capa dura.

PS: "(...) entre delicado e nobre", ora ai' esta a melhor definicao de um amor-perfeito que ja' ouvi.

Maria Carvalho disse...

Olá. Os comentários que gentilmente aqui nos deixam também são de natureza muito diferente e em alguns já adivinhamos a marca dos autores. Os seus são lidos (saboreados...) com muito gosto.

Com a ameaça cada vez mais nítida de acabarem com as flores nos jardins públicos das cidades, as que colocamos carinhosamente entre páginas serão, daqui a algum tempo, a nossa única reserva. Continue portanto a coleccioná-las, tem perdão prévio.