Não cai o pano, ou o teatro infinito
Reconheço que o título é aflitivamente pretensioso; passaria logo adiante se o lesse na capa de um livro. Mas o que quero dizer é simples: a natureza, mesmo aquela domesticada dos jardins, não tem descanso, e quando um espectáculo termina já outro começou.
É por isso que regresso continuamente aos jardins do Palácio de Cristal: para acompanhar a evolução dos inúmeros teatrinhos e workshops criativos em que se afadigam as plantas nos seus canteiros. Devia dedicar-lhes crónica diária, mas, além da preguiça, tolhe-me a ideia de que crítico que só diz bem dos espectáculos a que assiste nunca é respeitado pelo público e muito menos pelos seus pares.
Mas poderia ensaiar algum distanciamento crítico. Não digo que já cansa (nunca poderia dizer que já cansa), mas reparem que é sempre a mesma coisa: lembro-me do Acer japonicum há um ano, há dois, há três... infalivelmente flamejante em cada mês de Novembro. Não haverá neste caso aquilo que os críticos, bocejando de enfado, denunciam como repetição de uma receita de sucesso?
Agora que o Acer despe o traje de gala, ao palco do jardim sobem as camélias para lá actuarem por uns meses. E resmunga o crítico: é verdade que são bonitas (são mesmo perfeitas), mas porquê outra vez as camélias?
Não, para crítico não sirvo, porque o que me sustenta é justamente saber que haverá sempre outra vez.
Fotos: pva - 19 de Novembro de 2005
9 comentários :
Delicioso!
S. (de Sementinha ;-)
No
ano passado
duraram até Dezembro...
Invejo-vos por morarem perto do Palácio, das Virtudes, e do Carregal (a giguinha também ;-). Se nós morássemos por aí encontrar-nos-íamos decerto muitas vezes na plateia.
:-))))
este e' daqueles em que e' dificil reconhecer o autor. estive na duvida quase ate' ler o teu nome, Paulo.
ja' dizia um Grego, cujo nome esta manha me escapa, que a agua de um rio nao passa duas vezes pelo mesmo sitio. seria Heraclito?
eu apoderar-me ia das palavras dele para dizer: nao se pode olhar duas vezes para a mesma camelia.
a proposito, a mais recente new scientist (26Nov) esta' fervilhante (mesmo!) e traz um numero espetacular para aqueles aficcionados que precisam da estatistica para entender o obvio:
"OUR brains form a million new connections for every second of our lives". Sendo assim, pergunto eu, como poderiamos ver a mesma camelia duas vezes? Acho que so' se deixarmos que nos anestesiem o cerebro ou ainda mais simples que, literalmente, nos atirem areia para os olhos ;-)
Este numero e' referido no artigo "How life shapes the brainscape" que confirma cientificamente (para os mais cepticos que nao acreditam nos seus proprios olhos) "the huge importance of our everyday experiences in making our brains what they are." Nas minhas "everyday experiences" prefiro caminhar rodeada de arvores amigas do que de betao (frio) e caquinhas de cao (quentes e fumegantes).
Outro interessante e' este:
Forests paying the price for biofuels
16:38 22 November 2005
e outros, e' um daqueles numeros da NS que vale !mesmo! a pena comprar.
PS: pequeno esclarecimento, eu nao tenho nada contra a estatistica nem contra a matematica. so' acho que e' muito mais divertido utiliza'-las como jogos do que como formas de provar o obvio. E sobretudo arrepia-me que se recuse o obvio pelo facto de nao ser estatisticamente significativo. La' por nos nao sabermos fazer bem as contas nao significa que possamos usar a estatistica como uma desculpa para justificar o que nao tem justificacao.
Excelentes fotos! Gostei, passarei a visitar este blog e irei recomendá-lo ainda mais
Ambientalistas da Amadora
http://ambientalistasdaamadora.blogspot.com/
Manuela, os dois áceres estão desfasados, e enquanto que o menor deles (o que se vê na foto) já está quase despido, o outro ainda não atingiu o ponto. Estão pois a cumprir exactamente o mesmo calendário dos anos anteriores.
Verónica, a matemática e a estatística não são exactamente a mesma coisa. A estatística, pelo menos aquela utilitária e formatada que se usa em sondagens e estudos científicos, tem uma relação muito longínqua com a verdadeira matemática. Mesmo assim, não culparia a estatística pelos usos tacanhos que por vezes fazem dela.
sim, Paulo, tens razao, a matematica e a estatistica sao diferentes. eu acho que a matematica e' mais divertida. a estatistica quando bem utilizada pode ser bastante reveladora mas ultimamente parece que os cientistas se tornaram escravos da estatistica e isso nao me agrada. se calhar as relacoes entre matematica e estatistica sao menores do que eu pensava. a estatistica utiliza metodos matematicas mas tem uma logica diferente. a estatistica normalmente parte de uma necessidade, de compreender algo, ou de provar algo e a matematica parte como uma aventura, uma descoberta que se inicia sem se saber o final da historia. a estatistica pode ser usada para fazer previsoes. e a matematica tb, ou nao? ja' agora tiro outra duvida, a estatistica e' considerada um ramo da matematica ou e' um ramo separado? se calhar era melhor dizer probabilidade e estatistica como na escola porque assim se percebe logo melhor. e ja' que estamos a falar de matematica, achas que a matematica foi inventada ou descoberta? podes responder so' sim ou nao nao quero abusar da caixa de comentarios e ja' estou confusa e a desconversar demais.
Belíssimo post. Nunca é demais visitar e apreciar a beleza evolutiva de uma árvore ou da natureza.
Curiosamente, ontem, cerca da meia-noite, coloquei o seguinte post nos meu blogue:
ADMIRAÇÃO POR GAUDÍ
"Creio, como Da Vinci, que a decadência faz a sua aparição quando o Homem se esquece de contemplar a Natureza".
Gaudí, sobre a decoração dos portais da Sagrada Família.
Pergunto:
. será que não nos estamos a esquecer de apreciar a sublime dádiva da Natureza - que até tem 4 "modas" sazonais ?
. e despertar esse interesse nos mais novos ?
ah e tal é uma "simples" flor - não dá música, não dá adrenalina, não se pode "klikar" nem fazer "download" ...
Ai o consumismo e as playstations, ai, ai.
Mas o que é magnífico é o espectáculo repetir-se. Porque é sempre diferente, aliás. É como um passeio por uns sítios que conhecemos, por exemplo no campo: ali é uma pedra com determinada forma, ali é um ribeirinho, ali um casinhoto - sabemo-lo - e no entanto têm sempre outra aparência ou, quando é a mesma, há o choque bom do reconhecimento.
É como o amor, em suma. Que, como dizia Marianne Roland-Michel é "uma infinita repetição".
Já agora quero dizer que gosto mt deste blog. Árvores, plantas...Estou no meu ambiente!
A cada vez que venho aqui fico maravilhada. E não canso de repetir isso. Bonito demais.
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