21/04/2007

Marmelo, marmeleiro, marmelada



Cydonia oblonga - Palácio de Cristal, Porto

Se tudo correr bem, as flores destas árvores vão transformar-se em frutos - e é só para combater o desperdício que a seu tempo iremos apanhar marmelos a este recanto tão pouco visitado dos jardins do Palácio. A natureza é generosa mesmo com os sem terra da cidade.

O marmeleiro, originário do Médio Oriente mas há muitos séculos aclimatado na Península Ibérica, mantém com a nossa língua uma relação ambígua. Deu origem a uma palavra portuguesa que veio a ser adoptada por outras línguas, mas depois desinteressou-se dela; ou, mais exactamente, a árvore não quis mais conversa com as versões para exportação da palavra. A nossa marmelada (necessariamente de marmelo) deu marmalade em inglês (que é a compota de laranja amarga) e marmelade em francês (nome de qualquer compota com a consistência do puré, mas não da genuína marmelada - pois ao mais parecido com ela que por lá têm chamam os franceses cotignac d'Orléans). Prova acabada de que os estrangeiros não têm jeitinho nenhum para línguas.

12 comentários :

Anónimo disse...

Ó Paulo...as coisas que vocês descobrem numa cidade...! Um marmeleiro! Incrível. Por cá, no campo, abundam, mas só neste ano, e por causa da vossa divulgação, é que parei frente a um marmeleiro e contemplei absorto as flores suaves e folhas penugentas de uma árvore que é, para mim, uma das mais belas árvores ornamentais.

A sensibilidade do olhar também se treina e ensina: e vocês são mestres em ambas.

Rosa disse...

QUINCE, PORTUGAL, is among the most important and most popular quince varieties, identified by John Gerard and still grown today. (William Ellis, 1750)
Em: "THE HISTORY OF ENGLISH COOKERY"

Se os marmelos Portugal já foram considerados os melhores do mundo, porque é que temos de comprar marmelos espanhois?

Anónimo disse...

Ah...Paulo, queria agradecer-lhe a dica que me deu, há uns meses atrás, para solucionar um dos meus dilemas filosóficos (antigamente, nos meios académicos, o nome que hoje atribuímos à Biologia era o de "Filosofia Natural", não era!?): agora que nascem as folhas novas, apliquei o seu ensinamento - um carvalho negral distingue-se facilmente de um carvalho roble se sentirmos, com o toque, a pubescência das folhas do primeiro.

Adriana Roos disse...

Aqui comemos e gostamos de marmelada, feita do marmelo...


Também dizemos que houve "marmelada" quando alguem trapaceia no resultado de um sorteio ou jogo...

Abraço

ManuelaDLRamos disse...

Marmelada, marmeladão, marmeleiro e marmelo...

marmelada: carícias amorosas; mas também trapalhada, confusão*; e na Universidade de Coimbra o termo designava um indivíduo indolente, paspalhão**.

marmeleiro: para além da árvore designa também o cajado ou varapau feito de um ramo de marmeleiro.

Entrar na vara de marmeleiro/ marmelo: ser castigado à paulada, com um pau ou vara desta árvore.

Razões de marmeleiro: violência física, ameaças.

Xarope de marmeleiro: pancada.

marmelo: rapaz corpulento.

marmelos: (gír.) seios de mulher.

(*segundo Cândido Figueiredo; **de acordo com Amílcar Ferreira de Castro - cf ¬SIMÕES, G. Augusto - Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Lisboa : Pub. Dom Quichote, 1993.)

Paulo disse...

E boa, boa, quando chega o Outono, é a marmelada da Margaridense, numa transversal à Rua de Cedofeita.

Maria Carvalho disse...

A Margaridense está encerrada desde Dezembro do ano passado. Já nem fez o pão-de-ló para o Natal.

ManuelaDLRamos disse...

Confesso que não aprecio muito marmelada. Acho que a enjoei quando era criança, e a marmelada fazia parte da sobremesa diária, infalivelmente, ao jantar em casa dos meus avós paternos.

Lembro-me perfeitamente das grandes panelas onde se punham a cozer os marmelos, do acucar, do aroma peculiar do fruto, dos panos por onde se escorria o puré de marmelo cozido, e claro das tijelinhas cobertas de papel vegetal a secar bem aprumadas nos peitoris, e onde as abelhas gulosas gostavam de se pousar.

E não sabia que em francês se chamava assim. Fui ver o significado de cotignac, ou melhor a sua origem e deixo aqui alguns apontamentos interessantes:
(nota: coing significa marmelo...)
«La marmelade de coings a pour origine le dulce de membrillo ou mamelo, toujours apprécié en Espagne et au Portugal. Selon la légende les bénédictines qui se sont installées au 8e siècle à Baume-les-Dames, seraient les créatrices de la pâte de coing.

Le cotignac, une pâte de fruit aux coings, apparaît dès le 14e siècle dans les menus. Il est cité dans le Ménagier de Paris sous le nom de coudoignac, dans le Pantagruel de Rabelais en 1532 et dans le Journal du sire de Gouberville en 1559.

Cette spécialité orléanaise tirerait son nom du provençal coudougnat, dérivé de coudougn, coing, ou selon une autre hypothèse, de Cotignac dans le Var où on fabriquait déjà des confitures de coing.

Ler texto completo na Boite a recettes

Cotignac d'Orléans [Loiret]
Cette friandise très ancienne était autrefois fabriquée par les apothicaires. Elle avait la réputation de développer l'intelligence des enfants et surtout de les calmer, à l'exemple de Zeus que les nymphes apaisaient avec du confit de coing. Dès le règne de Louis XI [1423-1483], le cotignac est la spécialité d'Orléans.


Claro que depois de ler todas estas informações até fico a apreciar mais a marmelada...

Rosa disse...

E em Inglês:
MARMALADE: A thick, smooth preserve. The name derived from the Portuguese marmelo, quince. It was from that fruit that all marmalades were originally made. Later, cherries and apricots were also much used for marmalades. Orange marmalade was known towards the end of the 16th century but was, again, a smooth preserve nearly always mixed with apple jelly. Nott’s marmalade of oranges is unusual in that it is made only from oranges, but it is still a jelly-like confection, not orange marmalade as we know it today. Marmalades were stored in round or oval wooden boxes, not jars, and cut into lozenges or other fancy shapes for serving at dessert. (John Nott, 1726)
em:THE HISTORY OF ENGLISH COOKERY
A GLOSSARY OF COOKERY AND OTHER TERMS

Anónimo disse...

Isso de os estrangeiros não terem jeitinho nenhum para línguas é um digestivo delicioso, neste post.

FRANCISCO OLIVEIRA disse...

Não é para falar de marmeleiros. Só quero informar que publiquei hoje no meu blog (http://portonorte.blogspot.com) uma fotografia dos Teixos do jardim do antigo Colégio Almeida Garrett.

Entendi que a existência destes "velhotes" deveria ser divulgada.

abel r. disse...

..nesta marmelada de conversa falta acrescentar que na Grecia classica os marmelos eram a fruta consagrada a VENUS......que Cydonia era o nome de uma cidade de Creta(?)
e que em Inglaterra ainda há quem fabrique "quince cheese" que se parece muito com a nossa REAL/ autentica marmelada.....