Dia dos enganos
Foi um dia estranho, mais que os outros dias. Começou quando vi há tempos, num jornal, o presidente da Junta de Freguesia de São Jacinto queixando-se de que nem a Câmara de Aveiro nem a região de turismo da Rota da Luz faziam o bastante para atrair visitantes à localidade. Dei a mão à palmatória: realmente, apesar de conhecer Aveiro bastante bem, nunca tinha ido a São Jacinto - onde, além da base militar, da omnipresente ria, das praias e das dunas, há um atractivo de peso, que é a reserva natural.
Os domingos fazem-se também para adquirir as peças em falta no nosso conhecimento geográfico do país: eis-nos pois de abalada em resposta ao apelo do senhor presidente de junta. Não pela costumeira ponte de Arrábida, encerrada ao trânsito para deixar passar seis mil ciclistas em passeata solidária. Ora aqui está - numa ponte que, dispondo embora de passeios, nenhum peão pode atravessar sem risco de vida - uma desforra em grande do transporte ecológico. Insinua-se-me porém uma pergunta: os seis mil ciclistas terão mesmo ido de bicicleta ou a pé até ao local de partida?
E foi essa a primeira estranheza do dia: a saída para a A1 pela ponte de Freixo. Outras se seguiram: em Aveiro, ao almoço, não havia caldeirada porque a ria tem dado poucas enguias; ficámo-nos pelo (excelente) ensopado de... enguias de viveiro. De novo na estrada, procurámos indicações para São Jacinto; não vimos nenhuma, mas pareceu-nos avisado rumar às praias. Chegados à Barra, que é uma língua de areia eriçada de prédios por todo o lado, inquirimos do caminho para São Jacinto. Disseram-nos que pela ria era perto, cerca de 2 km, mas por estrada eram mais de 40 e teríamos que dar a volta por Estarreja. O melhor era apanharmos o barco no Forte da Barra. E como se vai daqui para o Forte da Barra? Enfiámos por um labirinto de gafanhas, perdemo-nos não poucas vezes, perguntámos aqui e ali, mas lá encontrámos o forte e, ao lado dele, o barco já quase a soltar as amarras. (Tem um encanto libertário, nesta época do GPS, andarmos assim à deriva e só chegarmos ao destino à força de muito perguntar.)
São Jacinto - Aveiro
A Barra e São Jacinto são as extremidades das duas penínsulas arenosas e longilíneas que fazem a fronteira entre a ria de Aveiro e o mar: a do sul começa abaixo de Ílhavo; a do norte, muito mais comprida, só em Ovar se cola à terra firme. Como qualquer mapa de estradas nos teria ensinado, era justamente por Ovar que devíamos ter ido. Só a Barra está ligada à sede do concelho por uma ponte; São Jacinto, para quem vive em Aveiro, é como uma ilha, mas o isolamento poupou-a à voragem imobiliária que sufocou a península vizinha. As casas são baixas e as ruas são calmas; há pouco trânsito, e o que há circula sem pressas; há muita vida de café e muita conversa entre vizinhos.
Bom, e a reserva natural? Não chegámos a visitá-la, e as pessoas que interrogámos pareciam desconhecer a sua existência. Fomos até à praia - meia hora a pé por uma estrada em linha recta, ladeada por vivendas e pinhais - e encontrámos dunas parcialmente protegidas, mas também um estradão de terra que, rasgando-as, permitiria sem dificuldade o cruzamento de dois camiões TIR. A reserva - soubemos depois pelos folhetos que recolhemos num posto de informação da freguesia - começava mais a norte. Chegar lá a pé teria consumido boa parte do que restava da tarde, e havia ainda que apanhar o barco de volta. Já se vê que a tarefa inconclusa nos obriga, com muito gosto, a regressar a São Jacinto.
A vegetação das dunas era, com uma ou duas novidades, a mesma que já encontráramos na Aguda. Mas uma das novidades recordou-me, nesse dia de enganos, um meu outro engano recente: há dias sugeri, em comentário no Vulgar de Lineu, que uma das magníficas fotos (#422) que o José Bandeira lá publicou seria de uma Linaria; afinal era de uma planta da mesma família (bocas-de-lobo, Anthirrinum majus) que eu nunca tinha visto. Agora já vi, e estou contente.
Antirrhinum majus
5 comentários :
Andaste perto Veiros, com o seu sobreiro com 500 anos...
Apertava-as de lado para elas abrirem a boca, sorrindo e falando...há que anos!
Passámos ao lado do sobreiro? Foi pena, mas para a próxima perdemo-nos melhor.
Por outro lado também não seria muito interessante estar demasiado acessível a passeios domingueiros... Não quero ser snob, mas há muita gente que vai por ir, e apanha florzinhas para pôr na jarras, deixa garrafas de água vazias, calca fora dos trilhos, etc...
De qualquer forma não é muito difícil chegar lá, vai-se de carro mesmo até à entrada da reserva, concerteza que da próxima vez vos será muito mais fácil de encontrar.
Para a próxima vez que quiser visitar a reserva das Dunas, ou quaisquer outra reserva, veja antecipadamente as informações disponibilizadas em www.icnb.pt
Poupa em tempo, combustível e não anda perdido.Veja também as condições de visitação, sendo uma área protegida tem obviamente condicionantes.
um abraço
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