16/07/2007

Granja e Macondo




Quem do sul viaja de comboio para o Porto depara, pouco depois de Espinho, e marginando a ferrovia pelo lado do mar, com uma sucessão de velhas casas sombreadas por plátanos. Mais altas ou mais baixas, geminadas umas com outras ou isoladas nos seus jardins, todas acusam o desgaste da idade; muitas delas, ao abandono, têm já a sentença de demolição lavrada em cartaz. É a Granja, local dilecto de veraneio da burguesia portuense, descrito por Ramalho Ortigão em As praias de Portugal (1876); é a praia mítica, já tocada de nostalgia e decadência, de Sophia de Mello Breyner Andresen. As férias de Verão, que duravam meses, eram uma vida à parte, muito mais desligada da cidade do que as actuais férias de pacote em paraísos tropicais: era outra a casa, outros os ritmos, outras as diversões. Havia na Granja, funcionando apenas no Verão, um clube recreativo com chá das cinco para as senhoras e, abrindo à noite, salas de jogo e de convívio e um grande salão de baile com orquestra privativa. O edifício do clube, rectangular e térreo, está reduzido à ruína que a segunda foto documenta. Custa hoje concebê-lo como cenário que foi do conto Praia, que decorre por alturas da 2.ª guerra e foi incluído por Sophia nos seus Contos exemplares (1962):

«Era uma espécie de clube de Verão, um grande casarão quadrado, pintado de amarelo e com grades verdes na varanda que dava para a avenida onde os plátanos maravilhosos povoavam a noite. Cheirava a maresia e a fruta. Longas músicas pareciam suspensas das árvores e das estrelas. E entre as casas brancas, na noite escura e azul, passava o rolar do mar.»

Não foram só as mudanças sociais e dos hábitos de veraneio que arruinaram a Granja. Há ondas de vulgaridade que, alastrando de Francelos e Miramar, vêm substituindo as venerandas mansões por vivendas sem carácter ou, pior ainda, por prédios de apartamentos com muitos andares; contudo, talvez a suburbanização seja preferível ao abandono. Mas outras ondas há de uma crueldade mais requintada: aquelas literais, vindas do mar, que levam consigo toda a areia da praia.

Desde a Primavera de 2002, quando se concluiu a construção do quebra-mar da Aguda, a praia da Granja tem vindo a ser chupada até ao osso. Todos os anos, antes da época balnear, a Câmara de Gaia manda lá um vaivém de camiões despejar areia para que o mar não avance até ao paredão. Os poucos banhistas estendem-se no areal postiço que todos os dias estreita um pouco mais. Em meados de Setembro, quando se levantarem as últimas toalhas, serão também arrastadas as últimas areias.

5 comentários :

Paulo disse...

Tão belo e tão triste.

bettips disse...

Anos e anos de degradação, porquê? De quem é? Como é? Frequentei a Praia da Aguda há cerca de 40 anos: ia de combóio. Passeávamos e eu já me interrogava por ver casas vazias e em ruínas - quanto mais agora! A foto está pungente...

Anónimo disse...

Só faltou dizer que o dito clube era a "Assembleia da Granja", embora isso não seja excepcionalmente relevante para o caso.

Anónimo disse...

Apesar dessa degradacao, o espaco adjacente esta sempre limpo e e muito agradavel passar por la. Faco-o varias vezes por ano, de bicicleta, entre Espinho e a Ponte de D. Luis. Que ricos passeios...
Octavio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)

Anónimo disse...

Por amor a Sophia de Mello Breyner e á Praia da Granja em Vila Nova de Gaia.
A praia da Granja desaparece todos os anos, por causa da péssima localização do paredão construído na Aguda, ele devia funcionar só como quebra mar, permitindo assim que as corrente marítimas se fizesse entre ele e a costa da Aguda, não, em vez disso cria um grande banco de areia a Norte da sua construção originado uma aí uma baía, um porto de abrigo, não permitindo assim que as correntes reponham as areias a Sul na praia da Granja. O mar vai compensar a Sul a resistência que se criou a Norte, destruindo o areal da praia da Granja. Mas há muitos interesses instalados na Aguda, é pena que alguns iluminados até ligados a ciência não venham em nome da verdade defender a Praia da Granja, procurando uma solução para o problema. Não é o natural avanço do mar que está a provocar esta devastação no areal da praia da Granja, mas sim o paredão construído na praia da Aguda. Ilustres, a solução passa por criar condições para que não haja retenções de areias no paredão da Aguda, por forma a que as areias aí retida possam circular para Sul, (repito, a água do mar devia circular livremente pela frente do paredão ou seja entre ele e a costa da Aguda por forma a não formar baía), e assim serem por uma forma natural repostas na praia da Granja, ou então construir também um quebra mar na praia da Granja.
Também há na minha opinião um problema, Aguda está na freguesia de Arcozelo, e Granja na de S. Félix da Marinha, ambas no Concelho de Vila Nova de Gaia, o Dr. Luís Filipe Meneses é Presidente de Câmara deste concelho não deve andar a brincar todos o anos, ao jogo brinca na areia, feito Robin dos Bosques, a tirar aos ricos (areia da praia da Aguda), para a dar ao pobres (colocá-la na praia da Granja). Sei que é capaz de fazer melhor do que fez até agora pela praia da Granja, porque creio e espero que tenha uma visão para Portugal. Quanto a solução deste problema deve ser canja para si, isto é só um problema de costa marítima, de uma praia situada numa localidade com história. Mas que uma solução duradoura para o problema demora a surgir, é um fato, isto já se arrasta a uns anos e o Sr. embora não seja o único grande responsável pela situação não está bem na fotografia,”tem sido um brinca na areia”. Calar, é grave, convém falar, porque quem não resolve um pequeno problema, como será com um grande problema que é o Portugal. O País espera por si mas a praia da Granja, no Concelho de Vila Nova de Gaia, não o esquece.