Pequenos vícios
«"Dá-me a tua mão". A mão (explica-me Daniel) era o prolongamento da intimidade, a memória dum corpo retido em cinco dedos esguios e trémulos. Mas a dele, pela prontidão com que respondia à de Cecília, era o nó sensível com que a rapariga podia medir o cansaço, a indiferença, a idade, em suma, do amor, tal como o perfeito marceneiro, medindo de facto um nó de madeira, premindo-o e afagando-o, sabe avaliar os anos duma árvore e a sua resistência.»
José Cardoso Pires, Lavagante (2008)
Vicia hirsuta
Os dotes de trepadeira da Vicia hirsuta superam a fadiga de ser tão pequenina. A foto da esquerda mostra-a decidida a içar alto a bandeira, de gavinhas enliçadas a tudo o que lhe está ao alcance da mão.
As flores em cachos são como cabeças de alfinete (~4 mm), de tom branco com sombras roxas, mas semelhantes às que vimos nas espécies V. angustifolia e V. sativa. Apesar de ser uma ervilhaca em miniatura, a folhagem é densa e pode criar um tapete espesso. A designação comum cizirão, do latim cicer, eris, grão-de-bico, é sugerida pelo formato das sementes.
Temíamos chegar a este ponto. Prevemos mesmo o risco de, abandonados pelas árvores em descanso de Inverno, baixarmos os olhos e nos encantarmos com as plantas miúdas, de curta e ávida vida. Por este caminho não tardaremos a ser dançarinos-de-prado, calcorreando os campos sempre em bicos-de-pés para poupar o veludo das ervas tenras. E um dia repararemos nos saiotes dos musgos, iniciando outro capítulo de descoberta, cedendo a mais um vício da curiosidade. Ou talvez cruzemos uma estreita porta da floresta sem retorno.
2 comentários :
Graciosa!
Adorei o post de hoje!! Primeiro das palavras do José Cardoso Pires... e depois revi-me no último parágrafo, a andar em bicos-de-pés para evitar pisar as plantas.
Que 'vício' este :-)
Abraço
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