17/11/2009

Cem anos de perdão

Lembram-se da anacardiácea do Horto das Virtudes, aquela a que José Marques Loureiro (jardineiro e horticultor do século XIX que muito admiramos) dedica uma crónica e identifica como sendo uma Pistacia atlantica? Temos andado desassossegados com esta árvore. Por duas razões:

1) A bibliografia que conhecemos é unânime em afirmar que a Pistacia atlantica é uma espécie de folhagem caduca. Contudo, esta árvore das Virtudes só perde folhas, e poucas, com a ventania forte. E ainda que, longe do lugar de origem, uma planta possa ostentar fomes desconhecidas, não é de esperar que mude tão radicalmente de hábitos que se transforme em perenifólia.

2) A Pistacia atlantica é uma espécie dióica, e já vos demos conta da nossa estranheza ao verificar que o exemplar das Virtudes frutifica anualmente. Pode ser que, desafogada de afazeres, esta árvore se entretenha a criar frutos estéreis, mas é mais plausível que este seja outro traço a comprometer a identificação proposta por Marques Loureiro.

Por isso, a nossa visita ontem ao Jardim Botânico Tropical em Lisboa foi especialmente oportuna. É que há lá vários exemplares de uma outra anacardiácea, a Schinus terebinthifolius (pimenteira-do-Brasil, ou aroeira-vermelha), cuja folhagem, inflorescências e frutos têm nítida parecença com os da Pistacia atlantica mas que é de folha perene. Além disso, embora seja espécie dióica, há registo abundante de espécimes monóicos ou com flores hermafroditas (uma vantagem na competição com outras espécies que a torna, em alguns habitats, uma invasora preocupante).

Em resumo: na nossa opinião revista e melhorada, a árvore do Jardim das Virtudes é um exemplar de Schinus terebinthifolius, e cremos que este engano com mais de cem anos finalmente se desfez.

5 comentários :

Lucia disse...

Olá amigos dos Dias com árvores, eu também fiquei desassossegada com esta postagem!

Explico o motivo. Andava confundindo Schinus, a aroeira pimenteira e outras aroeiras, então fotografei algum tempos atrás um pequeno exemplar em flor e fruto.
Bem, as imagens de Schinus que tenho comigo são bem diferentes. Os folíolos são oblongos e dentados. Pesquisando, encontrei dissertação que informa sobre cinco variedades de Schinus therenbenthifolius, com diferença nos folíolos. O que me intrigou, entretanto não foi a forma dos folíolos, mas a aparência de raque alada que tem esta espécie; é uma boa chave de identificação para confirmar a espécie e o fim do desassossego.

abraços,
Lucia

Maria Carvalho disse...

Também vimos imagens de subspécies de S. terebinthifolius com folíolos distintos destes, alguns longos com margens dentadas, e a nossa hesitação aumentou. Mas a raque alada e o tipo de folhagem do espécime que encontrámos no Jardim Botânico Tropical dissipou todas as dúvidas.
Um abraço.

Rui Pedro Lérias disse...

Existem dois enormes exemplares the Schinus therebenthifolius no Jardim da Fundação Gulbenkian. Valem a visita.

E em alguns locais é invasora. Pode ser vista, por exemplo, na Quinta das Conchas, no Lumiar, Lisboa, a fazer isso mesmo, invadir áreas já significativas.

Nuno José disse...

Alguém tem conhecimento de um exemplar de pistacia Atlantica nos jardins de Lisboa? Obrigado

Paulo Araújo disse...

Não temos notícia dessa árvore em Lisboa (ou noutro sítio qualquer), mas de facto conhecemos mal os jardins da capital.