Viver no charco
Potamogeton polygonifolius Pourr.
Dizem que as maiores guerras do século XXI serão pela água. Em Portugal, onde a água por enquanto não escasseia, é costume nas aldeias matarem-se os vizinhos quando um desvia o rego que passa pelo campo do outro. E, num grau que talvez não tenha paralelo nos países ditos desenvolvidos, cada vez mais, por conspurcarmos, represarmos, drenarmos ou desviarmos a água, condenamos ao desaparecimento as espécies animais ou vegetais que nela vivem.
Sirva de exemplo a planta das fotos, pertencente a um género de plantas aquáticas a que os ingleses chamam pondweed, os espanhóis espiga de auga e os portugueses não chamam nada (por muito que a Flora Digital de Portugal seja de outra opinião). De acordo com a Flora Ibérica, esta particular espécie moraria em todo o território continental português excepto na Beira Baixa.
Saltemos para o presente e consultemos alguns levantamentos florísticos que se têm feito no litoral norte: em Gaia (2010), em Vila do Conde (2007), e até um outro (de 2004) abrangendo toda a Área Metropolitana do Porto. Não só o Potamogeton polygonifolius anda sumido, como também não aparece, em nenhuma das listagens, qualquer outra das oito espécies de Potamogeton que, garante a Flora Ibérica, ocorrem no Douro Litoral. Uma delas, P. nodosus, seria, segundo a Nova Flora de Portugal (vol. III, fasc. I, 1994), vulgar em todo o país.
As imagens que ilustram o texto, captadas em Alfena (Valongo), provam que o P. polygonifolius não foi ainda erradicado da AMP; e é possível que na região sobrevivam em nichos isolados outras espécies do género. Mas não tenhamos ilusões: por cá, a perda de biodiversidade nas últimas décadas tem sido galopante.
Se avançarmos para o interior do país, onde um «desenvolvimento» menos avassalador permitiu até, nalguns locais, uma recuperação assinalável da flora espontânea, já as espigas-d'água (tomemos o nome emprestado aos espanhóis) de uma ou doutra espécie se fazem mais comuns. É por isso pertinente apontar algumas diferenças entre o Potamogeton polygonifolius e outras duas espécies semelhantes, P. natans e P. nodosus, igualmente presentes no norte de Portugal. No P. natans, ao contrário do que sucede com as outras duas espécies, os pecíolos unem-se às folhas segundo um ângulo quase recto; e o P. nodosus, além de ter folhas maiores e pecíolos bem mais compridos do que o P. polygonifolius, tem também uma espiga floral robusta e pelo menos tão grossa como o caule da planta (as espigas do P. polygonifolius, por contraste, são claramente mais finas do que o caule — confirme nas fotos acima).
6 comentários :
Paulo, permita-me discordar: há regiões de Portugal onde a água escasseia mesmo. Há talvez 3 anos, depois de um inverno seco, muito gado no Alentejo esteve em risco de abate por falta de pasto.
Pois é, Gi: para quem vive na cidade, como eu, a água é simplesmente algo que corre quando se abre a torneira. E é verdade que no Alentejo a falta de água é por vezes um problema. No entanto, a percepção pública desse problema é afectada por sinais contraditórios: no Alentejo há a barragem de Alqueva, há os olivais de regadio, e há também os campos de golfe. Custa a lembrar, nessas circunstâncias, que a água não é inesgotável.
Oi Paulo, eu vivo em Alfena e na minha quinta tenha uma represa que está a ficar tapada com esta planta aquática, Potamogeton polygonifolius, não sei como poderei controlar o seu alastramento. Sabe informar-me como poderei fazer esse control? obrigada.
Olá. Não tenho qualquer conselho útil a dar-lhe. Em princípio, esta não é uma planta daninha, e as represas são justamente o tipo de habitat que ela procura. Mas é claro que pode ser inconveniente ter toda a represa ocupada com ela. Talvez a única solução seja controlá-la mecanicamente, pois o uso de químicos num caso como este seria impensável.
Obrigada
Relativamente ao nome comum da Potamogeton sempre ouvi chamar Colher.
Ana
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