09/05/2012

Soagens de outras paragens

Echium lusitanicum L.


Quem faz vida de auto-estrada também tem direito à Primavera, ou pelo menos à fruição visual que as flores da estação proporcionam. Basta que as brigadas dos taludes se descuidem durante duas ou três semanas para ficar tudo pintado de branco, amarelo e roxo. Se o branco e o amarelo podem ter proveniência variada, já o roxo é, na maioria dos casos, obra de uma só planta, a soagem (Echium plantagineum), que se tem propagado a alta velocidade pelo país graças à expansão da rede viária. É certo que ela é uma planta indígena, mas é também certo que as novas e larguíssimas estradas abrem clareiras e corredores por onde as plantas oportunistas podem espalhar as suas sementes. Outra planta de vocação estradeira também em franca expansão é o tremoceiro-amarelo (Lupinus luteus).

Além do Echium plantagineum, outras soagens menos comuns fazem parte da flora portuguesa. Serão catorze as espécies do género Echium em território nacional, incluindo três vistosas endémicas do arquipélago da Madeira. As que moram no continente são por vezes difíceis de distinguir, mas o (sobretudo) nortenho Echium lusitanicum tem uma personalidade bem vincada. É peludo, forma uma roseta de folhas largas de onde saem várias hastes floridas com uns 80 cm de altura, e as flores são pequenas, de um pálido tom azul ou lilás, com os estames muito salientes. É frequente em bermas de estrada no Alto Minho e em Trás-os-Montes. Na falta de jardineiro, encarregou-se de enfeitar, com sucesso apreciável, o pátio interior do arruinado mosteiro de Pitões das Júnias.

Echium tuberculatum Hoffmanns. & Link
A outra soagem agora no escaparate é também conhecida por viperina. «Conhecida» é força de expressão, pois a planta das fotos, que encontrámos em Sicó numa valeta rica em orquídeas, disfarçou-se de tal modo que a sua identidade é algo misteriosa. É provável que seja Echium tuberculatum, mas também pode ser Echium vulgare, que tem aspecto geral semelhante; apostamos mais na primeira por causa das folhas estreitas e dos estames pouco salientes. Nenhuma das duas espécies costuma dar flores rosadas, mas esta era a única planta anormal no meio de muitas outras com flores roxas ou azuladas. Fosse Portugal um país dado à horticultura, e da planta caprichosa faríamos um cultivar de êxito comercial assegurado. Assim, mais vale deixá-la na sua berma de estrada sem nos preocuparmos em fazer negócio com a descendência.

2 comentários :

Gi disse...

Este post vem mesmo a calhar, Paulo. Eu faço auto-estrada todos os dias (ao contrário de muitos valentes que boicotam a Via do Infante) e também tenho reparado nas flores que inesperadamente alegram as bermas.
Suponho que as brigadas dos taludes tenham menos pessoal a trabalhar.

Paulo Araújo disse...

Olá, Gi. Pois é, certas auto-estradas chegam a ficar provisoriamente bonitas. Como sou passageiro, tenho mais vagar para reparar nisso. E no Algarve (que não conheço) o sortido de flores nas bermas deve ser ainda mais rico. A tarefa de «limpar» obsessivamente os taludes, às vezes com uso copioso de herbicidas, é uma das profissões mais tristes e inúteis que se inventaram em Portugal.