Flores de calças
Thymelaea coridifolia Willd.
Quando, no século passado, a moda feminina incentivou o uso das calças, e não apenas no trabalho ou em climas nórdicos, algumas vozes conservadoras avisaram que, a persistir uma tal indignidade, não se conseguiria reconhecer uma mulher de costas, sem contudo esclarecerem que desvantagens isso traria. A opinião ortodoxa, apesar do sentido prático de tal indumentária, era desfavorável aos traços andróginos que ela sublinhava.
As plantas dióicas também têm como certa a virtude de uma flor feminina se distinguir claramente de uma masculina. O problema é que essa clarividência se garante frequentemente com detalhes que só os polinizadores detectam. E, para as plantas das fotos, não conseguimos, mesmo de frente, decidir se há nelas alguma flor feminina. Os dois tipos de flor são axilares, as masculinas com forma de funil e as femininas... também. Enfim, segundo as Floras, as últimas são um pouco ovaladas e com sépalas ligeiramente maiores (mais 0.2 milímetros, ou algo assim pequenino). Para o ano teremos de voltar a vê-las com lupa e régua de alta precisão.
Esta espécie de Thymelaea é um endemismo ibérico de montanha, abundante em Espanha (onde até há registo de outra subespécie, a T. coridifolia subsp. coridifolia, com flores perfumadas), mas por cá só se conhece uma população de uns 500 indivíduos que sobrevive a uns 1500 metros de altitude numa área reduzida dos cervunais secos da serra da Estrela. Há explicações para o carácter raro desta planta, que o leitor, habituado às nossas queixas, é certamente capaz de enumerar. Para ter uma ideia de quão exígua é a sua presença no nosso país, e de como é urgente a sua menção num Livro Vermelho da Flora Portuguesa (que ainda não existe), ouça o que nos aconteceu. Decidimos ir procurá-la no fim da Primavera, convencidos de que estaria com a floração a começar, e portanto a formar um manto amarelo fácil de descobrir. Choviscava e havia nuvens grossas a prometer borrasca, mas o local é tão plano e tão pobre em vegetação que não duvidámos da boa sorte da empreitada. Pois sim. Só quando o fotógrafo perdeu uma das máquinas no denso tapete de gramíneas (pouco depois recuperada apesar do nevoeiro que ia baixando) e o início da tarde começou a parecer noite, é que decidimos interromper a busca. Voltámos uma semana depois, não sem antes termos anotado as certeiras indicações de Alexandre Silva, do Centro de Interpretação da Serra da Estrela. Afinal tínhamos estado a pouco mais de cem metros da planta. E a floração, ao contrário do que prometia a bibliografia, estava quase passada.
O trovisco-da-Estrela é uma planta perene quase arbustiva, mas de hábito prostrado, com os ramos mais antigos a formar uma estrutura lenhosa de cor avermelhada. Do mesmo género estão listadas sete espécies em território nacional (incluindo uma no Gerês) e há registo em herbário de uma oitava no Algarve (T. hirsuta) que não é vista há muitos anos e talvez se tenha extinguido.
2 comentários :
Olá Maria e Paulo
Tenho acompanhado as vossas últimas entradas mas sem comentários, mas tendo lido as vossas aventuras em lagoa(s) privada(s) com uma preciosidade nela mergulhada,agora a vossa quase desventura no nevoeiro serrano,apetece-me dizer-vos e digo: as aventuras e desventuras colaterais às 'vossas viagens na nossa terra' já darão um bom livro,reveladoras certamente de quão desconhecido é o país para os que o habitam!
Abraço
Carlos M. Silva
Olá. Apercebo-me, ao rever as últimas entradas, que isto por aqui anda «muito amarelo». Não admira a escassez de comentários... :)
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