21/08/2012

Boiardo

Utricularia australis R. Br.


Como outras plantas carnívoras que aqui mencionámos, a Utricularia sobrevive se só consumir ar, sol e água, mas não cresce tanto nem se dissemina com a mesma eficácia. Como não tem raízes, o melhor que consegue, para manter os caules delgados e as folhas (muito divididas, feitas de numerosos segmentos) perto da superfície das águas estagnadas que aprecia, é boiar. Conta para isso com a ajuda de uns balões (utrículos) que se desenvolvem nas folhas e cujo recheio ela controla habilmente. É que tais orgãos — como descobriu a naturalista americana Mary Lua Adelia Davis Treat — são também um mecanismo ardiloso para capturar pequenos animais: a entrada destes balões é sensível à presença de alimento e abre-se e fecha-se em poucos segundos, sugando água recheada de crustáceos miúdos que, assim aprisionados, são depois digeridos lentamente com enzimas apropriadas.

O género Utricularia é dos mais vastos entre os de plantas carnívoras, abrigando mais de duzentas espécies. Por existirem em quase todo o mundo, dir-se-ia tratar-se de plantas que se ajustam facilmente a habitats variados, desde que não lhes faltem humidade e nutrientes. Mas não, por cá não é fácil encontrá-las. As Floras referem a existência de três espécies de Utricularia em Portugal (U. australis, U. gibba e U. subulata), indicam até que a U. australis ocorre no noroeste mas, ao fim de dois anos de buscas no Minho, só conseguimos ver as das fotos (das outras duas só há registo de populações mais a sul do país) numa lagoa privada junto ao rio Cávado, porque o João Lourenço nos revelou a sua localização. No bordo da lagoa predominavam os nenúfares e, por isso, quase todas as flores de Utricularia estavam a meio do lago, demasiado longe para se notar a corola amarela com veios vermelhos, o esporão ou o lóbulo giboso e ondulado na margem. O fotógrafo, descontente, insistiu em voltar lá com outra objectiva no dia seguinte; como seria de esperar, desta vez o dono da propriedade (ou um seu representante) estava por perto e resmungou, mas não nos vedou o acesso. Pela primeira vez questionámo-nos sobre como e onde se compra uma lagoa.

As plantas deste género são exigentes: precisam de luz, que acácias, canas, jacintos-de-água e outras infestantes de ambientes aquáticos portugueses podem apagar sem dó; exigem a presença de certos componentes químicos na água, que não estão lá se a contaminam; e pedem um período de dormência no Inverno, não resistindo se o seu sono é perturbado. Além disso, por causa da formação de turiões durante o Inverno, crê-se que as espécies espontâneas na Europa têm origem tropical, e nem sempre o clima europeu se adequa a seres desse lado do planeta. São razões, para além da degradação geral dos habitats aquáticos, para recear pelo futuro das populações deste género em águas lusas.

3 comentários :

Francisco Clamote disse...

Parabéns, Maria Carvalho. Muito está a dever a Botânica em Portugal a si e ao Paulo, por tanta dedicação, trabalho e saber.De que que eu também vou aproveitando. Pela minha parte, bem hajam!

Fátima Isabel disse...

Concordo com Francisco Clamote. Obrigada

Maria Carvalho disse...

Francisco, Fátima: Obrigada pela vossa gentileza. Este só é, às vezes, um trabalho espinhoso por sermos aprendizes: é muito o que desconhecemos, e há que aprendê-lo sem demora porque o mundo anda a estragar-se demasiado depressa.