14/09/2012

Mansa com espinhos

Rubus hochstetterorum Seub.


Há dois motivos fortes para evitarmos as silvas: os seus espinhos agressivos, que tornam intransponíveis os matorrais por elas colonizados; e o labirinto taxonómico em que o género Rubus se tem enredado, e onde até os especialistas correm risco de desnorte. Graças a estratégias como a hibridação, a reprodução vegetativa ou a apomixia (produção de sementes férteis sem que tenha havido fecundação), o número de micro-espécies é assustadoramente alto e resiste a qualquer sistematização. Seguindo o exemplo de outros peritos, o autor da revisão do género na Flora Ibérica decidiu, para que a sua síntese tivesse alguma utilidade, não considerar como espécies válidas aqueles táxones com uma área de ocorrência inferior a 50 Km2. Há portanto silvas que, por lei, vivem no limbo das coisas sem nome.

Mas as flores que despontam com a Primavera, além da beleza modesta que é a sua, contêm a promessa de regalo para o paladar. No meio dos espinhos, quando chega o Verão, brilha o negrume luzidio das amoras silvestres. Perdoamos os arranhões e tratamos de adoçar a boca. Flores e frutos, cada qual a seu tempo, são razões que pesam no prato do bem e talvez consigam, na balança dos nossos (des)afectos, compensar as razões do lado do mal. Devemos pois manter uma atitude aberta. Silvas há que têm nome, entre elas a mais comum e mais fácil de identificar, chamada Rubus ulmifolius. Outras silvas compensam o anonimato pelas flores vistosas e pelos frutos generosos. E outras ainda juntam ao mérito visual e gustativo a conveniência de um nome inequívoco. Assim é o Rubus hochstetterorum, a silva-mansa açoriana, um endemismo que, de todas as ilhas do arquipélago, só não mora na Graciosa.

As duas silvas, a expansionista R. ulmifolius e a endémica R. hochstetterorum, competem uma com a outra nas oito ilhas restantes, com a primeira quase sempre em larga vantagem. A excepção é a ilha das Flores, em que a silva-mansa é muito comum e a outra nem por isso. Pelo perverso hábito de ignorar o que é abundante e só ter olho para as raridades, somado ao preconceito contra as silvas em geral, não dei qualquer atenção, durante a minha visita à ilha em 2011, a essa silva de flores imaculadamente brancas (ou por vezes rosadas) que encontrei desde os cumes do Morro Alto até às falésias costeiras. Que o erro pôde ser remediado em 2012 aí estão as fotos para comprovar.

A cor das pétalas não é um indicador infalível para distinguir as duas espécies, pois ocasionalmente o R. ulmifolius pode dar flores brancas. Mas em qualquer caso elas são mais pequenas, com cerca de metade do diâmetro das flores do R. hochstetterorum (que podem chegar aos 5 cm), têm pétalas mais delgadas, e dispõem-se em panículas estreitas, em contraste com as panículas amplas do R. hochstetterorum. Por não ter visitado a ilha na estação certa, não pude comparar os frutos de uma e de outra silva, mas consta que as da segunda são maiores.

São dois os botânicos alemães de apelido Hochstetter ligados ao estudo da flora açoriana, e não é impossível que o epíteto hochstetterorum tanto homenageie um como outro. Christian Ferdinand Friedrich Hochstetter (1787-1860) e Karl Christian Friedrich Hochstetter (1818-1880), pai e filho, visitaram demoradamente o arquipélago em 1838, mas só o primeiro é referido, e de raspão, no livro Os Dabney — Uma família americana nos Açores (edição Tinta da China, 2009), relato condensado da vida no Faial ao longo do século XIX. As descobertas açorianas dos dois Hochstetter serviram de base à pioneira Flora Azorica (1844), de Moritz August Seubert, onde surgem as descrições originais do Rubus hochstetterorum, da Veronica dabneyi e de muitos outros endemismos do arquipélago.

2 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Com as silvas e com os tojos ninguém se quer meter. Há quem inclusivamente se negue a comer as amoras silvestres, o que para mim é um caso declarado de biofobia.
Com convidados em casa no outro dia, deliciou-se uma visita minha com as amoras silvestres que lhe dei. As referidas foram colhidas num silvado junto a minha casa. No hipermercado o preço das amoras ronda os 10€/kg, disfarçados pelos 2,5€ correspondentes a uma pequena caixa de 250 gramas.
Parece que noutros países europeus as pessoas colhem amoras que congelam para usar no inverno. No nosso país em crise são olhadas com desprezo, para delícia da passarada!…

Luz disse...

Mnhum... Amoras!