Um cardo português
Carduus lusitanicus Rouy
Os cardos são, em geral, plantas de fraca reputação, por preferirem lugares degradados e por, ocasionalmente, se instalarem como convidados indesejáveis em terrenos cultivados. A esses defeitos de carácter há que adicionar os agressivos espinhos com que eles se protegem da herbivoria. Mas a beleza das suas inflorescências e o farto néctar com que recompensam abelhas e outros polinizadores são bons argumentos para não lhes declararmos guerra aberta — ressalvando, porém, que a criação não tem como finalidade última o serviço da humanidade, e que uma planta tem direito à existência mesmo que não nos seja directamente útil.
Além de merecerem o carinho dos apicultores, os cardos são das plantas com maior interesse para os estudiosos de botânica, pela dificuldade que há em delimitar géneros, espécies e subespécies. No princípio, com Lineu, tudo era simples: quase todas as compostas mais ou menos espinhentas com inflorescências desprovidas de «pétalas» (ou, mais correctamente, de lígulas) foram por ele reunidas no género Carduus. De cisões posteriores nasceram, entre outros, os géneros Cirsium, Serratula e Sylibum; e, das 23 espécies de Carduus descritas por Lineu, só três (C. acanthoides, C. crispus e C. nutans) não migraram para outro género. Como compensação, o contingente dos Carduus viu-se reforçado com muitas novas espécies europeias, africanas e asiáticas. Das cerca de 90 espécies hoje registadas, 19 ocorrem na Península Ibérica e 9 em Portugal.
As diferenças morfológicas e a diversidade dos ciclos biológicos ditaram ainda a divisão do género Carduus em vários subgéneros e inúmeras secções, de que só um dos subgéneros e três das secções têm representantes na flora portuguesa. O cardo que hoje nos ocupa pertence à secção cuja figura de proa é o lineano C. nutans: são plantas de inflorescências grandes e vistosas, bienais, que florescem no seu segundo ano de vida. Ao contrário de outros cardos, não se reproduzem vegetativamente, dependendo em exclusivo da germinação de sementes. Talvez por isso sejam pouco comuns. Além do Carduus lusitanicus, essa secção integra, em Portugal, uma única outra espécie: C. platypus. Os dois distinguem-se pelas brácteas involucrais, que são ascendentes no C. lusitanicus e recurvadas para baixo no C. platypus. Um bom lugar para observar o primeiro é, em meados de Junho, a serra da Boa Viagem, na Figueira da Foz; o segundo, que floresce pela mesma altura, é frequente em bermas de estrada nos arredores de Manteigas.
Claro que os taxonomistas não se dariam por satisfeitos se não inventassem complicações adicionais, e tanto o C. platypus como o C. lusitanicus foram divididos em diversas subespécies. Por cá existem o C. lusitanicus subsp. broteroi, presumível endemismo português dos maciços calcários do centro-oeste, e o C. lusitanicus subsp. lusitanicus, de solos ácidos no interior centro e em Trás-os-Montes. Como as plantas acima expostas moravam na serra do Açor, perto do Piódão, elas deveriam filiar-se na subespécie lusitanicus. Os espinhos salientes das folhas sugerem, contudo, que elas pertencem à subespécie broteroi. Alguém nos ajuda a deslindar a confusão?
Bibliografia
J. A. Devesa & S. Talavera — Revisión del género Carduus (Compositae) en la Península Ibérica e Islas Baleares — Universidad de Sevilla, 1981
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