28/12/2012

Estrela de enganar

Myosoton aquaticum (L.) Moench



As palavras, como a roupa, danificam-se pelo uso como ilustra o seguinte exemplo. O nome Myosoton tem a mesma raiz de Myosotis, e por isso, de início, estranhámos a designação: as flores desta planta não se parecem com os singelos miosótis, florinhas azuis com um centro conspícuo que distingue a família Boraginaceae. No uso mais comum, miosótis são as flores, e são elas que, sem excepção, vemos simbolizarem as plantas desse género. Na verdade, a palavra Myosotis alude ao formato das folhas, pequenas e pontiagudas, por se parecerem com orelhinhas (otis) de rato (myos), e nisso, sim, a planta das fotos assemelha-se aos miosótis.

Pelas flores brancas de pétalas fendidas, e pela disposição das folhas sésseis em pares opostos, diríamos quase sem hesitar que se trata de uma Stellaria; e, de facto, já foi Stellaria aquatica (L.) Scop. Contudo, a planta que está hoje na montra é mais alta (pode chegar aos 120 cm de altura), as suas flores são relativamente grandes (com 12 a 20 mm de diâmetro), as pétalas são muito maiores que as sépalas e, à lupa, encontram-se outras diferenças relevantes. Poderia ser também um Cerastium, e foi isso que Lineu pensou, chamando-lhe Cerastium aquaticum. Porém, as pétalas divididas e a posição dos estigmas denunciam que não são géneros assim tão próximos. O que se manteve invariável nestas tentativas de arrumação taxonómica foi o epíteto específico, que indica tratar-se de uma planta de sítios húmidos, como margens de rios ou relvados.

A morugem-aquática (morugem é outro nome vulgar atribuído aos miosótis) é perene, floresce entre Maio e Outubro e é, de momento, a única espécie do género. A sua distribuição em Portugal nunca terá sido vasta, a crer nos registos das várias Floras que apenas assinalam a sua ocorrência no noroeste e no centro-oeste arenoso (ou seja, na Beira Litoral, no Douro Litoral e no Minho); mas com a ruína deste tipo de habitats talvez esteja mesmo a desaparecer. É nativa das regiões de clima ameno na Europa e Ásia.

O nome do género foi proposto pelo botânico alemão Conrad Moench (1744–1805), autor de uma obra que ficou famosa não apenas por listar exaustivamente as plantas dos campos e jardins de Marburg, a cidade em cuja universidade Moench foi professor, mas também por nela Moench preferir a nomenclatura e taxonomia de Tournefort, em oposição às de Lineu. Em consequência disso, muitos nomes propostos por Moench são hoje inválidos; as excepções, como Myosoton, são uma magra vitória nesta controvérsia.

4 comentários :

bea disse...

As estrelas de enganar têm forma de orelhinha de rato :) foi o que retive destas florinhas de humidade. Nunca as vi.

Carlos M. Silva disse...

Olá a ambos
Nunca vi ou se vi passei adiante por ser 'aquela bem conhecida dos campos agricultados', o que não é!!!
Mas acho mesmo que nunca vi! E não deixa de ser interessante disfarçar-se com 'a cara' de outra (para leigo, pois claro!).

Abraços e bom ano para vós!
Carlos M. Silva

Maria Carvalho disse...

bea, Carlos: O rio Águeda e a pateira de Fermentelos começam a estar seriamente ameaçados pelos jacintos-de-água, mas as margens ainda merecem uma visita demorada. Um abraço, até para o ano.

Carlos Venade disse...

Encontrei-a na margem galega do Rio Minho, num único local, frente a Monção, onde vivo. Já procurei na margem portuguesa mas sem sucesso, incentivado por um colega que a procurava no âmbito da Lista Vermelha da Flora de Portugal Continental, de que sou também colaborador. Na próxima primavera vou tentar de novo, ver.