11/10/2013

Chão que foge


Sagittaria subulata (L.) Buchen.


As flores no bordo da lagoa funcionam como isca — não para os peixes, mas para os humanos interessados em plantas. O objectivo é que eles se aproximem confiantes na solidez do chão que pisam, até que o que era consistente deixe repentinamente de o ser, e botas e calças se afundem até aos joelhos numa sopa de lama. Não é uma armadilha perigosa, apenas ridícula e incómoda. As plantas que preparam tal engodo só querem rir-se do rei da criação, outrora assim chamado por inspiração bíblica. Pena não o poderem ver mais tarde, numa estação de serviço, de mangueira em punho, a regar-se a si próprio com um jato de água, fazendo alastrar em seu redor uma mancha cor de terra.

A burlesca cena teve lugar na Terceira, perto da gruta do Natal, o segundo buraco vulcânico que, com o Algar do Carvão, constitui o pacote dois-pelo-preço-de-um que os turistas avisados não deixam de experimentar. Optámos por não visitar a gruta, porque o tempo era curto e o nosso interesse é por aquilo que vive à luz do sol. E a lagoa do Negro, a 50 m da casa de acesso à gruta, merecia uma inspecção atenta, que a presença das florinhas brancas amplamente justificou.

A Sagittaria subulata, que talvez não se chame assim, é uma planta aquática originária da costa oeste dos EUA. É muito cultivada em aquários, dando-se bem mesmo quando completamente submersa, e propagando-se rapidamente através de rizomas. As folhas podem atingir os 60 cm, às vezes com extremidades flutuantes, mas em geral ficam-se pelos 5 a 10 cm. As flores aparecem em hastes que emergem da água. O nome científico levanta dúvidas, pois parece haver duas espécies distintas às quais ele vem sendo aplicado, e é a outra espécie que tem prioridade para reter a designação (mais detalhes aqui).

Exótica nos Açores, até hoje, no arquipélago, a planta só foi assinalada na ilha Terceira, e talvez só na lagoa do Negro. Como o primeiro registo data de 1993, e desde então ela pouco ou nada se terá disseminado, não parece haver risco de se tornar invasora na ilha, pecado de que não está isenta noutras paragens. É provável que a sua chegada à Terceira se deva à presença americana nas Lajes, pois entre os militares estacionados na base aérea haverá certamente quem tenha o hobby da aquariofilia. Conjectura-se, aliás, ser essa mesma a razão para o aparecimento da Marsilea hirsuta (ex-M. azorica) no pico da Bagacina.

3 comentários :

bea disse...

Espero que não haja constipação à conta da florinha branca de três pétalas. E obrigada por ela e pela foto de verde calmo e sossegado.
BFS

MD disse...


"A beleza está nos olhos de quem a contempla", eu diria, de quem a sabe contemplar.
O que vocês descobrem! E que privilégio esta partilha!

Continuo uma fã incondicional do vosso blogue, que tenho vindo a recomendar.

JN disse...

Que foto tão bela!