01/04/2014

Sandálias no caminho



Crepis lampsanoides (Gouan) Tausch


Um relvado não é um jardim, pois está proibido de ter flores. Há países onde essa proibição é escrupulosamente respeitada, felizmente os mesmos onde a jardinagem não passou de moda: cada coisa está no seu lugar, e não falta, em qualquer cidade, um canteiro florido para regalar a vista, como não falta a relva para estender a toalha em dias de sol. Em Portugal, onde não há jardineiros e os jardins deixaram de ter flores, funciona a lei das compensações, e os relvados, que não são jardins, assumem de tempos a tempos, graças ao nosso providencial desmazelo, o aspecto de prados floridos. As boninas, os dentes-de-leão e os gerânios revelam um desrespeito bem português pela lei e pela ordem, ignorando ostensivamente a proibição de frequentarem relvados.

Em sentido estrito, dente-de-leão é o nome que se dá às asteráceas do género Taraxacum, caracterizadas pelas hastes singelas encimadas por vistosos capítulos amarelos, com brácteas involucrais externas muito recurvadas (veja nesta foto), e pelas folhas profundamente recortadas, todas elas dispostas em roseta basal (como se mostra aqui). A planta com que ilustramos o texto diverge vincadamente desta descrição — e, de facto, pertence a um género botânico distinto, embora se filie, tal como os verdadeiros dentes-de-leão, na tribo Cichorieae da família Asteraceae. Os capítulos florais das plantas desta tribo distinguem-se por só terem florículos ligulados, em contraste com os malmequeres, em que os florículos externos (os que dão as "pétalas") são bem diferentes dos do disco central (veja aqui). Com a penúria de nomes comums que aflige quem quer falar de plantas em português, não é inapropriado, a exemplo do que se faz nesta página do portal Flora-On, incluir todas as plantas da tribo num conceito alargado de dente-de-leão.

Informa quem sabe (ou não) que o nome genérico Crepis provém do grego krepis, que significa sandália ou chinelo, e alude talvez à forma dos frutos. A explicação é pouco convincente: os frutos são aquelas coisas com penachos brancos que as crianças sopravam para decidir se os pais (delas ou das outras) seriam carecas; chamam-se cipselas, e têm fraca semelhança com qualquer tipo de calçado.

O Crepis lampsanoides, que leva esse nome por ter folhagem parecida com a da Lapsana communis, é uma herbácea perene, rizomatosa, com hastes pubescentes e ramificadas de não mais que 90 cm de altura, que floresce entre Maio e Julho em lugares frescos e algo sombrios. Os capítulos florais, com cerca de 2 cm de diâmetro e brácteas revestidas de pêlos glandulosos, são dotados de longos pedúnculos e surgem agrupados em corimbos. Em Portugal, o C. lampsanoides só ocorre na metade norte do país. Não é um endemismo ibérico porque conseguiu atravessar os Pirenéus e chegar ao sul de França, mas faltou-lhe fôlego para ir mais longe.

6 comentários :

Anónimo disse...

Ainda bem que existem esses pequenos rebeldes que rompem a monotonia dos relvados!

Cumprimentos,

Kasia

Rafael Carvalho disse...

Sandálias havaianas parecem-me a mim as folhas. O efeito é visível na fotografia do canto superior direito, com a zona onde a folha se insere no caule a dar vontade de lá pôr o pé!
Cumprimentos.

bea disse...

Calça-nos a mente a exuberância amarela dessas sandálias. Como alguém já disse aqui, tal rebeldia permite extensões vibráteis de tons arroxeados,sorrisos de timidez rosada, risos em amarelo escancarado; ou uma miscelânea de cores onde apetece rebolar.
Porém, se acontece, elas acamam e fica um buraco nada bonito na paisagem.Quem dera fossemos leves como as borboletas!

Paulo Araújo disse...

Tem razão, Rafael. Já me tinham sugerido que, a haver sandálias nesta planta, elas estariam nas folhas e não nas sementes. Mas deve tratar-se apenas de coincidência, pois o nome do género, Crepis, foi usado originalmente por Lineu para plantas com folhagem bastante diferente.

Saudações,
P.V.A.

Carlos M. Silva disse...

Olá

Terei cá por casa, acho que obviamente!!, um desses 'crepes', o Lapsana communis, suponho(?) (mas nunca me atrevera a dar esse nome, face à confusão que boa parte das Asteráceas me causa; acho que apenas me atrevera a dar-lhe o nome de Crepis, errado pois sim, e nada mais), mas este Crepis, com esta tipologia de folhas, seguramente que nunca vi.
E para um neófito disto da botânica, há sempre muita coisa que escapa ..por que admitido como igual ao que vê com frequência. Acho que essa lista me é infinita, não por que o seja, mas por que ..não sei sequer onde acaba.
Cumprimentos
Carlos M. Silva

Ana Rita Gonçalves disse...

Aqui pela UC, em frente ao instituto botânico, é comum o relvado ficar florido com diversas plantas...mas é coisa de pouca duração. Mal se dá conta e já foram aparadas...Uma pena!