Sandálias no caminho
Crepis lampsanoides (Gouan) Tausch
Um relvado não é um jardim, pois está proibido de ter flores. Há países onde essa proibição é escrupulosamente respeitada, felizmente os mesmos onde a jardinagem não passou de moda: cada coisa está no seu lugar, e não falta, em qualquer cidade, um canteiro florido para regalar a vista, como não falta a relva para estender a toalha em dias de sol. Em Portugal, onde não há jardineiros e os jardins deixaram de ter flores, funciona a lei das compensações, e os relvados, que não são jardins, assumem de tempos a tempos, graças ao nosso providencial desmazelo, o aspecto de prados floridos. As boninas, os dentes-de-leão e os gerânios revelam um desrespeito bem português pela lei e pela ordem, ignorando ostensivamente a proibição de frequentarem relvados.
Em sentido estrito, dente-de-leão é o nome que se dá às asteráceas do género Taraxacum, caracterizadas pelas hastes singelas encimadas por vistosos capítulos amarelos, com brácteas involucrais externas muito recurvadas (veja nesta foto), e pelas folhas profundamente recortadas, todas elas dispostas em roseta basal (como se mostra aqui). A planta com que ilustramos o texto diverge vincadamente desta descrição — e, de facto, pertence a um género botânico distinto, embora se filie, tal como os verdadeiros dentes-de-leão, na tribo Cichorieae da família Asteraceae. Os capítulos florais das plantas desta tribo distinguem-se por só terem florículos ligulados, em contraste com os malmequeres, em que os florículos externos (os que dão as "pétalas") são bem diferentes dos do disco central (veja aqui). Com a penúria de nomes comums que aflige quem quer falar de plantas em português, não é inapropriado, a exemplo do que se faz nesta página do portal Flora-On, incluir todas as plantas da tribo num conceito alargado de dente-de-leão.
Informa quem sabe (ou não) que o nome genérico Crepis provém do grego krepis, que significa sandália ou chinelo, e alude talvez à forma dos frutos. A explicação é pouco convincente: os frutos são aquelas coisas com penachos brancos que as crianças sopravam para decidir se os pais (delas ou das outras) seriam carecas; chamam-se cipselas, e têm fraca semelhança com qualquer tipo de calçado.
O Crepis lampsanoides, que leva esse nome por ter folhagem parecida com a da Lapsana communis, é uma herbácea perene, rizomatosa, com hastes pubescentes e ramificadas de não mais que 90 cm de altura, que floresce entre Maio e Julho em lugares frescos e algo sombrios. Os capítulos florais, com cerca de 2 cm de diâmetro e brácteas revestidas de pêlos glandulosos, são dotados de longos pedúnculos e surgem agrupados em corimbos. Em Portugal, o C. lampsanoides só ocorre na metade norte do país. Não é um endemismo ibérico porque conseguiu atravessar os Pirenéus e chegar ao sul de França, mas faltou-lhe fôlego para ir mais longe.
6 comentários :
Ainda bem que existem esses pequenos rebeldes que rompem a monotonia dos relvados!
Cumprimentos,
Kasia
Sandálias havaianas parecem-me a mim as folhas. O efeito é visível na fotografia do canto superior direito, com a zona onde a folha se insere no caule a dar vontade de lá pôr o pé!
Cumprimentos.
Calça-nos a mente a exuberância amarela dessas sandálias. Como alguém já disse aqui, tal rebeldia permite extensões vibráteis de tons arroxeados,sorrisos de timidez rosada, risos em amarelo escancarado; ou uma miscelânea de cores onde apetece rebolar.
Porém, se acontece, elas acamam e fica um buraco nada bonito na paisagem.Quem dera fossemos leves como as borboletas!
Tem razão, Rafael. Já me tinham sugerido que, a haver sandálias nesta planta, elas estariam nas folhas e não nas sementes. Mas deve tratar-se apenas de coincidência, pois o nome do género, Crepis, foi usado originalmente por Lineu para plantas com folhagem bastante diferente.
Saudações,
P.V.A.
Olá
Terei cá por casa, acho que obviamente!!, um desses 'crepes', o Lapsana communis, suponho(?) (mas nunca me atrevera a dar esse nome, face à confusão que boa parte das Asteráceas me causa; acho que apenas me atrevera a dar-lhe o nome de Crepis, errado pois sim, e nada mais), mas este Crepis, com esta tipologia de folhas, seguramente que nunca vi.
E para um neófito disto da botânica, há sempre muita coisa que escapa ..por que admitido como igual ao que vê com frequência. Acho que essa lista me é infinita, não por que o seja, mas por que ..não sei sequer onde acaba.
Cumprimentos
Carlos M. Silva
Aqui pela UC, em frente ao instituto botânico, é comum o relvado ficar florido com diversas plantas...mas é coisa de pouca duração. Mal se dá conta e já foram aparadas...Uma pena!
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