27/01/2015

Primavera dos entulhos


Urospermum picroides (L.) Scop. ex F. W. Schmidt


Flor do entulho é uma metáfora para descrever algo que, pela beleza ou outras inesperadas qualidades, sobressai fortemente do meio em que está inserido. Quem andar com os olhos atentos, porém, encontra muitas e atraentes flores do entulho no sentido literal da expressão. Vêem-se por vezes, misturadas com restos de obras, plantas ornamentais ainda vivas de que os seus donos, inexplicavelmente, resolveram livrar-se. Os que se habituarem a respigar pacientemente tais lugares de abandono nunca precisarão de se abastecer em hortos para comporem vistosos jardins com as cores, cheiros e formas que outros desdenharam. Para além dessa incorporação directa de plantas exóticas, os entulhos deixam-se colonizar rapidamente pelas plantas nativas com gosto por habitats degradados. E, no transporte de restos de cal, cimento e tijolos de uma região para outra, há sempre muitas sementes que aproveitam a boleia. Num país desmazelado como o nosso, onde proliferam os depósitos clandestinos de materiais de construção, não deverá ser pequeno o papel que essas estruturas têm desempenhado na disseminação de certas espécies.

O preciso entulho onde na Primavera de 2014 vicejava esta leituga-de-burro (é esse o nome popular do Urospermum picroides) constitui o involutário contributo de um anónimo mestre de obras para o enriquecimento florístico da Reserva Ornitológica de Mindelo (actual Área Protegida do Litoral de Vila do Conde). Involuntário, entenda-se, não porque o entulho tivesse sido depositado por acidente, mas porque o mestre de obras em questão não poderia ter controle sobre as sementes com que os despojos iam guarnecidos. Certo é que a leituga-de-burro não se vê em nenhum outro local nas proximidades, e aliás nem costuma frequentar o litoral nortenho, sendo mais comum no centro e sul do país. Como confirmação adicional de que se trata de uma novidade, a espécie não consta da listagem da flora do Mindelo incluída no relatório (de 2007) que fundamentou a criação dessa área (des)protegida.

Aparentada com os dentes-de-leão e também com as verdadeiras leitugas (que é como habitualmente chamamos às asteráceas do género Tolpis), a leituga-dos-burros é uma planta anual, erecta, ramificada na metade superior do caule, que não costuma ultrapassar os 40 ou 50 cm de altura. Tal como sucede com as outras leitugas, e daí esse nome, o seu caule é oco e recheado de látex. As folhas podem ser inteiras ou recortadas e os capítulos florais são pequenos, mas o que mais ajuda a reconhecê-la são os pêlos brancos eriçados de que as brácteas involucrais estão revestidas (foto 4). O nome Urospermum, de origem grega, significa semente com cauda, e refere-se aos apêndices recurvados que nesta espécie prolongam os aquénios (visíveis nesta foto).

2 comentários :

ZG disse...

Bela planta, e muito comum!

bea disse...

A foto da semente com cauda está espantosa.

As plantas que se encontram por aí, ao Deus dará...