Flor de cuco
Lychnis flos-cuculi L.
Apesar de muita gente confundir as duas coisas como fazendo parte da mesma ruralidade bucólica e mitificada, e por causa disso termos tido há uns anos uma ministra que acumulava as duas pastas, a verdade é que natureza e agricultura são conceitos frequentemente antagónicos. A desmatação de terrenos para cultivos ou pastagens não cessou de transformar o mundo natural desde que a recolecção, a caça e a pesca deixaram de ser suficientes para sustentar a humanidade. Na Europa que recebemos de herança são poucos ou nenhuns os espaços que escaparam incólumes à influência humana. Mas, entre a floresta virgem que não temos e as monoculturas que se estendem por muitos quilómetros quadrados, entre a natureza "pura" e a sua absoluta ausência, há vários estádios intermédios em que a natureza pode estar viva, ainda que moldada às nossas necessidades. Há habitats artificiais, como os lameiros no norte do país e os montados de sobreiros e azinheiras no sul, que são refúgio de muitas plantas especializadas, e que só continuarão a sê-lo enquanto se mantiverem as práticas tradicionais que lhes deram origem. Essa simbiose precária entre agricultura e natureza vai-se quebrando com a mecanização, com as culturas intensivas, com o uso imoderado de químicos. As maiores ameaças actuais a muitas das espécies da nossa flora são a expansão e intensificação das explorações agrícolas, quando desacompanhadas (como tem sido a norma) por medidas de protecção da biodiversidade.A realidade, porém, não é uniforme de norte a sul de Portugal: no Alentejo multiplicam-se os olivais intensivos, e no Douro os montes são rapados à escovinha para o plantio de vinhedos; mas também se tem assistido, em muitos pontos do interior norte e centro do país, ao abandono progressivo de campos agrícolas e de pomares, e ao notável ressurgimento de algumas espécies vegetais outrora tidas como raras. A terra fria transmontana é talvez o ponto do país onde esta recuperação em contraciclo da biodiversidade é mais evidente. Um exemplo é dado pela quase desaparecida flor-de-cuco (Lychnis flos-cuculi), uma planta que a agricultura moderna e a drenagem de terrenos húmidos têm feito recuar por toda a Europa. Não é grande surpresa que os dois únicos registos da espécie no portal Flora-On sejam transmontanos, apesar de a Flora Ibérica não indicar a sua presença nessa província, mas apenas na Beira Alta, Beira Litoral e Estremadura.
Não fomos nós os autores desses registos, e de facto nunca vimos a flor-de-cuco do lado de cá da fronteira. Os poucos e tardios exemplares que encontrámos na Cantábria em Julho já quase não tinham flores, e nem puderam ser fotografados com vagar porque uns cães ameaçadores nos forçaram a regressar ao carro. Convém precisar que as flores têm em geral cinco pétalas (não quatro como mostra a segunda foto), e que cada pétala, dividida em quatro segmentos desiguais, parece por si só uma flor completa. O conjunto é assaz confuso, o que talvez explique o nome de ragged-robin que os anglo-saxónicos dão a esta herbácea vivaz. As flores do (seja então) pisco-maltrapilho, que se agrupam em cimeiras de 5 a 8 e têm uns 4 a 5 cm de diâmetro, surgem em hastes finas, ramificadas, algo viscosas, que podem atingir 70 ou mais centímetros de altura.
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