Visgo, vidálias & painhos
Praia da Graciosa, Açores
A ilha Graciosa é a menos montanhosa das ilhas açorianas, não subindo além dos 405 metros de altitude. Por isso, e apesar da proximidade das outras ilhas do grupo central onde chove bastante durante todo o ano, o clima na Graciosa é mais temperado e muito mais seco. O relevo manso e a amenidade do clima contribuíram para que fosse colonizada quase imediatamente após a descoberta, sendo certo que no início da década de 1440 já por lá pastava gado para apoiar um futuro povoamento da ilha. Hoje a água continua a ser escassa, a área que não foi convertida em pastagens está maioritariamente ocupada por criptomérias e árvores-do-incenso, a vegetação endémica é residual e a ilha tem perdido população. Contudo, em 2007, a ilha foi classificada pela Unesco como Reserva da Biosfera. Estranhámos o galardão: se compararmos com as outras ilhas açorianas, não parece injusto considerar que da floresta laurissilva não sobra na Graciosa o suficiente para justificar tamanho destaque. Felizmente as ligações aéreas entre a ilha e o continente obrigaram-nos a ficar alguns dias mais na ilha, e pudemos corrigir esta impressão. Graciosa: ilhéu da Praia
É que a ilha Graciosa tem ao largo dois ilhéus, o Ilhéu de Baixo e o Ilhéu da Praia, onde decorrem, há mais de vinte anos, programas de conservação da flora e da fauna com um sucesso invejável. E foi precisamente no ilhéu da Praia que, com permissão de quem cuida do Parque Natural da Graciosa e guiados por dois zelosos vigilantes da natureza, reencontrámos algumas boas populações da flora endémica açoriana e uma ave extraordinária.
Azorina vidalii & Tolpis succulenta no ilhéu da Praia
Durante décadas, o ilhéu da Praia serviu como parque de merendas para as tardes de domingo dos moradores da Graciosa. Tornou-se um torrão ressequido, quase sem vegetação. Quando começou o programa de reintrodução de plantas e de conservação das aves que nidificam ou poisam no ilhéu, o acesso ao ilhéu foi condicionado e hoje nota-se o resultado dessa redução da pressão humana. A população de Azorina vidalii no ilhéu é surpreendente (ela que se recusa a germinar nos calhaus das praias da Graciosa) e a de Tolpis succulenta é um regalo para quem sabe como ela é rara nos Açores (com excepção da ilha de Santa Maria). E o esforço com que cuidaram da ave marinha Oceanodroma monteiroi, aumentando significativamente os seus efectivos, é digno não apenas da honra e glória de uma medalha da Unesco mas merecedor de um apoio financeiro consistente, que garanta que o empenho nestas medidas de preservação não esmorece.
juvenil de painho-de-Monteiro (Oceanodroma monteiroi Bolton et al., 2008)
Esta ave rara (mas, segundo Gaspar Frutuoso em Saudades da terra (sec. XVI), antes muito abundante, tendo sido dizimada para alimentação e extração do óleo) é endémica dos Açores e o maior contingente está precisamente nos ilhéus da Graciosa. Nidifica apenas nestes dois ilhéus e apresenta diferenças relevantes em relação à espécie que se conhece da Madeira (Oceanodroma castro, o painho-da-Madeira, que também ocorre noutras ilhas açorianas e nas ilhas Galápagos), em particular o tamanho, a época de reprodução e o piar. Podem parecer detalhes de somenos, mas eles impedem que as aves açorianas e madeirenses se reproduzam entre si, originando a individualização das duas espécies. O epíteto específico homenageia o ornitólogo Luís Monteiro, que estudou esta ave e se apercebeu das diferenças com a espécie madeirense, mas faleceu (num avião da Sata que em 1999 se despenhou no Pico da Esperança, na ilha de São Jorge, por causa de uma tempestade) antes de ser validada, através de análise genética, a distinção taxonómica que propôs.Falta registar que a nossa visita à Graciosa no início de Agosto coincidiu em parte com uma festa religiosa de renome que duplicou o número de visitantes na ilha e esgotou a produção das deliciosas queijadas locais. Fica o leitor avisado.
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