10/09/2016

Lobelinha

Para escolher o nome de uma criança, muitos pais sofrem noites de insónia a listar nomes, a dizê-los repetidamente em voz alta para se habituarem à sonoridade, a testar a harmonia com os apelidos, a inventar diminutivos, a combinar floreios. A escolha é tão variada que lhes custa decidir, e não é assim tão raro que afinal depois se arrependam do nome que escolheram, chegando alguns a oficializar a troca. Descoberta uma nova planta, se ela é muito parecida com as de algum género já nomeado, então metade do binómio que a virá a designar está determinado. Se o mesmo se aplicasse às pessoas, os membros de cada família teriam um mesmo nome inicial desde o primeiro par de progenitores. Nas plantas, resta então ao botânico atribuir um epíteto que distinga cada espécie das outras do mesmo género. O problema deste procedimento está no modo mais ou menos rigoroso de se atestar que uma planta se parece muito com outra sem o rigor que hoje os testes genéticos conferem. Vejamos um exemplo.


Solenopsis laurentia (L.) C. Presl


A planta pequenina das fotos, de flores azuladas que se inclinam para o solo para aí depositar as sementes em segurança, parece uma lobélia pela configuração da corola bilabiada, o cálice dentado, a haste floral alta, o leve recorte das margens das folhas e o arranjo basal da folhagem. E houve quem, no século XVIII e XIX, a colocasse no género Lobelia, a começar por Lineu, que, em 1753, a designou por Lobelia laurentia. Contudo, as flores das lobélias não são solitárias; além disso, ensina a Flora Ibérica, têm a corola tubular fendida na parte dorsal, coisa que esta não tem. Razões suficientes para o botânico checo Carl Borivoj Presl (1794-1852) propor uma mudança de nome: em 1836 passou a ser uma espécie de Solenopsis, termo que deriva do grego solen, tubo, e opsis, aspecto, aludindo ao formato tubular das corolas. As espécies deste género têm uma distribuição restrita à região mediterrânica, Península Ibérica e ilhas Baleares (que possuem um endemismo, a perene Solenopsis balearica). Presl parece ter hesitado na escolha do epíteto específico, indeciso entre gracilis, minuta, salzmanniana ou canariensis. Tendo em conta a precedência de Lineu, pôs um ponto final no assunto ao optar por laurentia.

Esta é uma planta anual relativamente rara na Península Ibérica, estando em alguns locais à beira da extinção, mas de que há um número animador de registos no centro e sul de Portugal continental. Tardámos a vê-la porque não a procurámos no habitat de que ela realmente gosta (margens húmidas de linhas de água, charcos e barragens, sujeitas a encharcamento temporário) e por ser de porte tão diminuto, fácil de se esconder no meio de outras herbáceas. Vimo-la no início do Verão nas margens de uma grande represa no Ribatejo, um lugar tão rico em biodiversidade (mas só de plantas minúsculas) que circulamos sempre por ele em bicos de pés. Dias depois, ao visitar um terreno de solo margoso perto de Cantanhede (onde mora uma população notável de Leuzea longifolia) revimo-la a forrar sulcos mais ou menos encharcados onde antes tinham aparecido bons contingentes de Cicendia filiformis.

Ao contrário dos do Ribatejo, quase todos os exemplares de Cantanhede exibiam flores brancas que, como as azuis, têm dois lóbulos superiores erectos como orelhas, e três inferiores ligeiramente dobrados para trás, lembrando dentinhos de coelho. Notam-se também umas pintas brilhantes na parte interna do tubo, mais densas na vizinhança dos estames, no que parece um enfeite mas deve ser um alerta, tal como se julga acontecer nas gencianas.

2 comentários :

Carlos M. Silva disse...

Mais uma preciosidade que nos entregam.
Claro que nunca a vi. Obrigado e bom regresso a este reino.
Carlos M. M. Silva

bea disse...

A genciana sardenta é uma lindeza.