05/02/2020

Giroflando por Lanzarote


Matthiola bolleana Webb ex Christ


Entre as lengalengas ou cantigas infantis que todos os portugueses de tenra idade foram ensinados a trautear avulta o Jardim da Celeste. Que nos conste, é só aí que aparecem giroflé e a sua variante giroflá, palavras que não têm qualquer uso ou significado em português corrente, embora alguns dicionários apontem girofle (sem acento) como sinónimo de cravo-da-Índia. Não seria inadequado que numa cantiga sobre um jardim as palavras desconhecidas designassem plantas, mas é só num idioma que agora as crianças não aprendem, o francês, que se revela toda a verdade sobre o giroflé. Envolve prévia operação de mudança de género, o que daria ao assunto sobeja relevância em contexto educativo. Transmudado para giroflée, palavra feminina que deve pronunciar-se carregando bem no erre, é nome de umas tantas plantas crucíferas de flores cor-de-rosa, amarelas, brancas ou vermelhas, plantas essas que por cá conhecemos como goivos. O verbo giroflar, neologismo que faz aqui a sua estreia pública, descreve pois o acto de observar goivos, por nós praticado com regularidade durante uma visita a Lanzarote.

A Matthiola bolleana, ou goivo-das-Canárias, é frequente em Lanzarote (também em La Graciosa) e, mais ainda, no sul de Fuerteventura, em dunas ou zonas pedregosas a baixa altitude. É rara nas restantes ilhas do arquipélago, e está ausente de El Hierro e de La Gomera. Trata-se de uma pequena planta perene, de 10 a 30 cm de altura, ramificada desde a base, com folhas geralmente inteiras, lineares e obtusas. As flores perfumadas, dispostas em hastes que pouco excedem o comprimento das folhas, são quase sésseis, com pétalas de uns 15 mm de comprimento, onduladas, de cor rosa-violeta mas brancas na base. Tem evidentes semelhanças com a espécie mediterrânica Matthiola fruticulosa, mas as diferenças (na forma das folhas, na coloração das pétalas, no porte geral) não são menos óbvias, e por isso é algo exagerado despromover a M. bolleana, como fazem certos autores, a simples variedade da M. fruticulosa.

À Matthiola bolleana estão associados importantes pioneiros novecentistas no estudo da flora canarina. Quem a baptizou foi o inglês Philip Barker-Webb (1793-1854), autor, com o francês Sabino Berthelot (1794-1880), de uma monumental L'Histoire Naturelle des Îles Canaries, publicada em nove volumes entre 1836 e 1844. Em nenhum desses volumes, porém, se menciona a M. bolleana, cuja primeira descrição só veria o prelo em 1887 por mão do suíço Konrad H. Christ (1833–1933), que realizou um estudo dos escritos não publicados de Webb. O epíteto refere-se ao naturalista alemão Carl August Bolle (1821-1909), que colheu a planta na península de Jandía, em Fuerteventura, aquando da sua primeira visita às Canárias, em 1852. Ao mesmo Carl Bolle se devem dezenas de descrições de novas espécies da flora do arquipélago, em especial das ilhas menos estudadas até então: Lanzarote, Fuerteventura, El Hierro e La Gomera.

2 comentários :

bettips disse...

Este comentário é só como mensagem para vós: andava a ver fotos antigas e deparei com o passeio de grupo pelos jardins do Porto, Cordoaria etc, "Tardes com árvores", em Junho 2007. Convosco. Tive saudades.
Muito tenho aprendido e arejado as vistas! Um privilégio ter-vos encontrado nesse tempo. Vós e as vossas ligações. Não passeio assim mas vejo os lugares e algumas das paisagens que me encantariam.
Abraços fiéis à Maria e ao Paulo, boas viagens.
Obrigada

Paulo Araújo disse...

Olá, Bettips

Obrigado pelo comentário e pela lembrança. Continuamos a circular pelos mesmos jardins, mas como anónimos, coisa que até vai melhor com a nossa índole. Para nós foram tempos de convívio e de aprendizagem, e tínhamos um livro para promover. O nosso mundo expandiu-se e deu algumas voltas; o Porto é ainda o nosso centro, embora não falemos disso.

Abraço