01/11/2020

Caldeira da Lomba

Lagoa da Lomba, ilha das Flores, com Potamogeton polygonifolius Pourr.
Na ilha das Flores há uma correspondência quase perfeita entre caldeiras vulcânicas e lagoas: cada caldeira tem a sua lagoa, e cada lagoa está na sua caldeira. A regra só é quebrada pela teimosia da caldeira Seca, que para fazer jus ao nome decidiu prescindir da lagoa a que tinha direito. Nos outros pares caldeira/lagoa, os dois substantivos funcionam como sinónimos: caldeira Comprida e lagoa Comprida são dois nomes do mesmíssimo lugar, ainda que um picuinhas da gramática detecte aqui uma metonímia ao tomar-se o conteúdo pelo continente (ou vice-versa).

A lagoa/caldeira da Lomba é talvez a que menos entusiasma os turistas: de baixa profundidade e situada num planalto, falta-lhe em volta o dramatismo das ladeiras a pique e do recorte acidentado dos montes. A lagoa Rasa, embora igualmente... enfim... rasa, não é diminuída pelo cenário, já que a sua função é fazer contraste com a lagoa Funda, que lhe fica mesmo ao lado mas 170 metros abaixo. O arvoredo em volta da lagoa da Lomba, quase todo exótico, também não a favorece, pois até um visitante distraído percebe que uma plantação de criptomérias é muito menos bonita do que a floresta nativa que reveste as encostas das melhores caldeiras.

Dito isto, a lagoa da Lomba tem particularidades que justificam uma visita: de todas as lagoas da ilha, é a que está a maior altitude (650 m), ficando a lagoa Branca num segundo lugar muito distanciado (570 m); e as suas águas baixas e margens lodosas favorecem uma flora especializada que, com excepção da lagoa Rasa, está ausente das outras lagoas. Exemplos são a Littorella uniflora, de ampla distribuíção europeia, e a rara endémica Isoetes azorica: nas Flores, ambas ocorrem apenas na lagoa da Lomba e na lagoa Rasa. E a diminuta Elatine hexandra, abaixo retratada, só mora mesmo na lagoa da Lomba.

Elatine hexandra (Lapierre) DC.


A Elatine hexandra, como quase todas as suas congéneres, integra aquele grupo de plantas anuais que, vivendo em margens de lagos ou charcos, preferem esperar que a água baixe ou se evapore deixando a descoberto o solo lamacento, tratando depois de cumprir o seu ciclo vital antes que a lama fique ressequida. O seu calendário fenológico, embora sobretudo estival, é pois oscilante e depende das condições locais, podendo em anos propícios sucederem-se várias gerações da planta na mesma temporada. Espécie prolífera, a E. hexandra produz em média umas 40 sementes por cápsula. O farto banco de sementes que deposita no solo está pronto a germinar logo que haja condições favoráveis.

Única espécie do seu género nos Açores, a Elatine hexandra está distribuída por grande parte da Europa, presumindo-se que seja rara em Portugal continental. Contudo, a pequenez da planta (caules prostrados de 2 a 8 cm de comprimento, flores e frutos de 1 mm de diâmetro, folhas de 2 a 3 mm de comprimento), o seu surgimento efémero, e o carácter pouco aprazível dos habitats que ocupa — tudo isso pode contribuir para que ela seja pouco vista. Uma espécie afim, Elatine brochonii, só em 2011 foi detectada em território nacional, mas depois concluiu-se que não era assim tão rara (ver mapa de distribuição no Flora-On). Tanto em Portugal continental como nos Açores, é de crer que a E. hexandra seja mais frequente do que aquilo que sugerem os poucos registos existentes. Mesmo que no continente alguns habitats naturais se tenham perdido, ela não se faz rogada em ocupar habitats artificiais como margens de represas ou lagos de recreio.

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