11/10/2020

Erva do Parnasso


O Sistema Central é um alinhamento de montanhas no centro da Península Ibérica que se estende de Guadalajara até à serra da Estrela. O estudo da biodiversidade notável deste vasto território mostra como a variação climática tem tido um efeito nefasto em ecossistemas onde a presença humana até é reduzida. Por exemplo, o clima mais quente e atlântico na serra da Estrela, com episódios de neve mais curtos e menos intensos do que no centro montanhoso de Espanha, tem condenado a uma distribuição restrita, ou mesmo à extinção, boa parte da flora dos pisos mais elevados da serra. Contam-se aqui como muito raros o Asplenium septentrionale, o Cryptogramma crispa, a Alchemilla transiens, o Carex furva ou o Lycopodium clavatum, que em Espanha têm populações mais viçosas. A juntar a este efeito climático, nota-se um uso desregrado dos cervunais, uma alteração significativa nos bosques mediterrânicos e a destruição de prados nas terras mais baixas. Não surpreendentemente, teme-se que a renovação do caudal de vários afluentes dos rios Douro, Mondego e Tejo esteja a tornar-se menos eficiente.

Um maior número de cumes em Gredos, e dos mais altos, talvez seja a razão para algumas espécies de montanha serem aí tão abundantes. É o caso da herbácea perene de que vos falamos hoje, de pequeno porte (10 a 30 cm) e que floresce em pleno Verão nas margens de riachos e turfeiras. As folhas são arredondadas mas com base reentrante, como corações sem bico, e têm um pé longo, evitando a humidade excessiva. A haste floral emerge da base das folhas, e no topo empoleira-se uma flor solitária e muito perfumada.

Parnassia palustris L.


A polinização destas flores merece um comentário. No centro da flor nota-se o ovário rodeado por cinco leques enfeitados com bolinhas brilhantes da cor do mel (que prometem néctar) que são outros tantos falsos estames (veja-se a 2ª foto). Para que serve tanto adorno e fingimento? Note-se que é benéfico para as espécies evitar a auto-fecundação, mas numa flor hermafrodita a proximidade das componentes masculina e feminina pode tornar a auto-polinização mais frequente do que a polinização cruzada. Pois bem: a presença dos estames falsos dá a impressão ao polinizador de que a flor já desabrochou e está a servir o néctar. Inebriados pelo aroma a mel, eles pousam na flor e roçam o corpo pelo pólen, esvoaçando pouco depois para outra flor onde julgam que, aí sim, o néctar já está na mesa. Mas enquanto os estames falsos iludem o polinizador, alguns dos estames verdadeiros mantêm-se inclinados sobre o ápice do ovário, expondo as anteras de pólen mas cobrindo o estigma (veja-se esse pormenor aqui). Só quando o último estame murcha é que o estigma está integralmente exposto.

Esta estratégia ajuda a evitar a auto-polinização mas, como se refere neste artigo, há o risco de o polinizador não transportar o pólen no local do corpo que vai contactar com o estigma da outra flor. Segundo os autores, o género Parnassia parece ter resolvido este problema: os estames verdadeiros amadurecem e movem-se coordenadamente, separando-se do ovário em sequência. Este processo faz com que, em cada dia, os estames com o pólen fresquinho estejam sobre o estigma (logo o polinizador recolhe o pólen nessa posição, que é a de um estigma receptivo, e que manterá noutras visitas), mas depois de maduros se afastem dessa posição central, permitindo que o estigma seja polinizado.

1 comentário :

Teresa disse...

Interesantes todos tus reportajes. Saludos.