18/10/2020

As brinças do rio Boco

Peucedanum officinale L.


Em Portugal, país que desconhece a sua flora, os nomes vernáculos das plantas silvestres são, em grande parte, uma fantasia incoerente. Há plantas vulgaríssimas e distintivas que nunca o povo se dispôs a baptizar — por exemplo, no norte do país, a Silene acutifolia e o Omphalodes nitida —, e outras praticamente inexistentes que têm uma profusão de (alegados) nomes comuns. O Peucedanum officinale, que só aparece com alguma regularidade nas margens quase inacessíveis do Douro internacional, e no resto do país só foi detectado em meia dúzia de lugares, recebeu nada menos que três nomes: brinça, ervatão-porcino e funcho-de-porco. O primeiro deles terá raiz latina; os outros são traduções mal amanhadas do inglês hog's fennel. São nomes que garantidamente nunca andaram nas bocas de um povo que nunca viu a planta; ou que, se a viu e lhe concedeu um minuto de atenção, certamente achou que se tratava de um funcho.

Se fosse vulgar no nosso país, a brinça (chamemos-lhe assim) bem merecia ser conhecida. Por essa Europa fora, nas épocas em que não havia farmácias nem receitas comparticipadas, funcionava como remédio barato e polivalente ao alcance de ricos e pobres. A lista das qualidades medicinais que lhe eram reconhecidas é extensa: o látex extraído do rizoma da planta seria anódino, anti-espasmódico, sudorífero, diaforético, diurético e peitoral (fonte) — quase uma farmácia completa.

A brinça é uma umbelífera alta, com mais de dois metros de altura, com folhas muito divididas bem diferentes das do funcho, dotadas de segmentos terminais compridos, hirtos e estreitos. Como grande parte das plantas da família a que pertence, floresce no Verão. As flores são amarelas como as do funcho, mas as umbelas são mais amplas, com maior número de raios.

A população que encontrámos, composta talvez por uma centena de plantas, mora em Cantanhede, num prado seco rodeado por eucaliptais em expansão. Ao fundo, uma linha de água sublinhada por salgueiros marca a fronteira entre os concelhos de Cantanhede e Vagos. Ainda que nos tenha parecido insignificante, essa linha de água alarga-se o suficiente para, uns quilómetros adiante, ser chamada de rio. É o rio Boco, que desagua em Vagos num dos braços da ria de Aveiro, um rio que vem de perto e vai para perto.

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