04/10/2020

Angélica galega


Angelica pachycarpa Lange


É de alguma injustiça que, no comércio hortícola internacional, esta planta seja conhecida como Portuguese Angelica. Um nome muito mais apropriado, e neutro quanto à nacionalidade, é Shiny Angelica — o brilho lustroso das suas folhas é notório nas fotos aí em cima. E por que não deve a Angelica pachycarpa ser vendida como portuguesa? Acontece que esta endémica do noroeste peninsular, típica de falésias costeiras, é muito mais frequente na Galiza do que em Portugal, onde só ocorre ao largo de Peniche, nas Berlengas. Tratando-se de uma planta bienal (as folhas brotam num ano e a planta floresce no ano seguinte, morrendo após a dispersão dos frutos), o número de exemplares na natureza pode oscilar de ano para ano, mas calcula-se que nas Berlengas elas nunca ultrapassem as duas centenas. Conhecendo a sua abundância em certos pontos da costa galega (cabo Silleiro, por exemplo), temos que admitir que as angélicas (verdadeiramente) portuguesas são uma pequeníssima minoria dentro da população global da planta. E, como nunca fomos às Berlengas e apenas a vimos na Galiza, é angélica galega que gostamos de lhe chamar.

Se a Angelica pachycarpa aparece, e com frequência, entre Baiona e A Guarda, ali mesmo junto à foz do Minho, por que não dá ela o salto para terras de Caminha ou Viana? Acontece que já deu, mas da incursão resultou apenas uma população escassa e efémera. Em 1999, Henrique Nepomuceno Alves encontrou menos de uma dezena de plantas nas dunas atlânticas de Caminha, junto à mata do Camarido, e o encontro repetiu-se em várias ocasiões até 2009, mas depois disso ninguém mais logrou avistar a Angelica pachycarpa na costa norte de Portugal. Talvez alguma intervenção destrutiva nas dunas tenha apressado o desaparecimento, mas a verdade é que a ecologia estava errada: a Angelica pachycarpa não é uma planta de dunas; não está equipada para lidar com a instabilidade do solo arenoso, e precisa da dureza da rocha para se firmar. No litoral minhoto, as altas falésias em que a Angelica pachycarpa poderia ser feliz, e que são tão frequentes na costa galega, estão quase totalmente ausentes, assinalando-se o promontório de Montedor como única excepção de monta. (Esta lembrança de que as linhas costeiras do Minho e da Galiza têm fisionomias muito contrastantes é o nosso contributo para incentivar o intercâmbio turístico entre as duas regiões.)

Embora de porte modesto para o seu género (menos de 1 m de altura), a Angelica pachycarpa tem um aspecto muito robusto, com grandes folhas semi-suculentas e caules sólidos e ramificados. O epíteto pachycarpa significa frutos grossos, referindo-se à espessura da membrana que os envolve. No aspecto geral, e mesmo em alguns detalhes morfológicos, a Angelica pachycarpa é uma versão reduzida da magnífica Angelica lignescens açoriana. Mas aqui talvez a ordem dos factores esteja trocada: não sendo improvável que a planta insular descenda directamente da planta continental (estudo que, tanto quanto sabemos, está por fazer), é mais correcto dizer que a A. lignescens é uma versão aumentada da A. pachycarpa.

Nota. Atendendo ao magro contingente da espécie em território nacional, e ao seu presumível desaparecimento da costa minhota, a Lista Vermelha da Flora de Portugal atribuiu à A. pachycarpa o estatuto de "em perigo".

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