18/04/2021

Flor do Arlequim



Santa Maria é a ilha de duas cores: amarela a metade ocidental, sobrando para a outra metade o verde que é marca registada do arquipélago. É essa a imagem mais forte que, ainda o avião não aterrou, fica na retina dos turistas que acorrem à ilha nos meses do Verão. Quando em outros anos a visitámos em Maio ou Junho essa dupla personalidade era evidente, mas desta vez, visitando-a no final de Março após semanas de chuva copiosa, o verde era a única cor autorizada, com as vacas pastando felizes entre as ervas tenras. Contudo, se a cor não marca a diferença, já o relevo não depende da sazonalidade: em volta do aeroporto e da Vila do Porto, e até que a terra se empina anunciando o Pico Alto, desenrola-se uma área plana pontuada por habitações baixas e esparso arvoredo exótico. É aqui que se situa o bairro do aeroporto: casas amplas e brancas servidas por ruas rectilíneas, despojos dos tempos gloriosas de uma ilha que recebeu, ainda durante a 2.ª Guerra Mundial, a primeira base militar americana no Atlântico. Já sem militares, o tempo das vacas gordas prolongou-se até meados dos anos 70, quando os aviões deixaram de fazer aqui escala e o aeroporto da ilha perdeu quase toda a importância. Dessa época sobrou um cinema (obviamente chamado Cinema do Aeroporto) com capacidade para 800 lugares — o edifício, agora pintado de fresco, acaba de ser recuperado e terá nova vida como centro cultural.

Talvez os terrenos baldios rodeando as casas tenham sido jardins, mas o abandono até os fez mais interessantes. É esta a zona da ilha onde mais aparece a Serapias parviflora, orquídea que, nos Açores, apenas existe nesta ilha e talvez na Terceira. Herbáceas simpáticas como o Centaurium tenuiflorum, Centaurium maritimum, Mentha pulegium e Papaver somniferum são aqui muito frequentes. Nas valas e charcos, e tirando partido de uma capacidade de retenção de água como só existe nesta ilha (muito menos «porosa» do que as demais ilhas do arquipélago), abundam o Alisma lanceolatum e diversas ervas higrófilas. E até plantas exóticas como a Verbena rigida (que pouco se vê nas outras ilhas) parecem aqui ser mais mimosas e menos agressivas.

Sparaxis bulbifera (L.) Ker Gawl.


Sul-africana de origem, a Sparaxis bulbifera, ou flor-do-Arlequim, talvez caiba na categoria das exóticas invasoras que são apenas moderadamente nocivas. Não a havíamos notado em visitas anteriores a Santa Maria porque floresce cedo, entre Março e Abril, mas ela é abundante na metade plana da ilha, ocupando contudo habitats que já pouco têm de natural, como pastagens e terrenos baldios. Convive muito bem com o pastoreio e até é favorecida por essa actividade, já que as vacas, que não lhe apreciam o sabor, eliminam a concorrência e deixam-na tranquila. É uma planta vivaz, com hastes floríferas de 15 a 60 cm de altura renovadas anualmente a partir de bolbos subterrâneos. Além da reprodução normal por semente, e como aliás sugere o epíteto específico, é capaz de multiplicar-se vegetativamente através de bolbilhos formados nas axilas das folhas. As folhas, de 10 a 30 cm de comprimento, têm forma de espada e dispôe-se em leque, à semelhança das folhas de outras iridáceas. O nome comum Harlequin flower, usado por anglo-saxónicos, é aplicado indistintamente às diferentes espécies do género Sparaxis, todas elas endémicas da província do Cabo, na África do Sul, e talvez se ajuste melhor a plantas mais coloridas como a Sparaxis tricolor. Tanto quanto se sabe, nos Açores a S. bulbifera só está naturalizada em Santa Maria e em São Miguel; de resto, emigrou também para as antípodas e naturalizou-se com sucesso na Nova Zelândia e na Austrália.

3 comentários :

Teresa disse...

Una flor preciosa. Besos.

bettips disse...

Curiosidades sempre, tanto "das coisas", dos lugares, como das plantas. Uma delicadeza de sentimentos que não vos tolda os olhares.
Abçs

Marisa Reis disse...

Em 2019 fui finalmente conhecer os Açores e Santa Maria foi a primeira ilha, era para chegar às 17 cheguei às 24h, acabamos por estar apenas um dia, depois fomos para São Miguel, Graciosa e Terceira. Gostei muito de todas, mas em São Miguel apanhamos muita chuva, em Santa Maria choveu durante a noite mas o dia aguentou-se bem. Claro que fomos à capela de Colombo...Gostava de ter estado pelo menos mais um dia em cada ilha...