30/05/2021

Jojoba em Porto Santo

O Museu da Baleia na Madeira, localizado na vila piscatória do Caniçal, regista a história da caça às baleias no mar do arquipélago da Madeira e, curiosamente, inclui algumas sementes de jojoba como peça em exibição. A respectiva legenda explica porquê. O óleo de cachalote foi usado durante longos anos na indústria cosmética, parecendo insubstituível pelas suas propriedades químicas únicas e pelos benefícios inexcedíveis na hidratação e protecção da pele. A descoberta do óleo de jojoba, que tem afinal características químicas e usos semelhantes, permitiu a salvação de muitas baleias. O óleo de jojoba é uma cera líquida extraída das sementes dos arbustos de Simmondsia chinensis, uma espécie nativa dos desertos do México e Arizona que hoje vos mostramos.

Simmondsia chinensis (Link) C. K.


O nome do género homenageia o botânico inglês Thomas William Simmonds, mas o epíteto específico é um engano. O botânico que o escolheu (Johann Link) misturou inadvertidamente amostras da Califórnia com algumas chinesas, e achou que estava a nomear uma planta colectada na China. Infelizmente, as regras da taxonomia ditam que, mesmo errado, o primeiro epíteto específico registado é o que tem prioridade.

A jojoba (nome de inspiração índia) chega a uns 2 metros de altura, exibe uma copa densa de folhas opostas, coriáceas e com uma penugem branca, dispostas num arranjo espiralado que, dizem, facilita a entrada do vento (como se ele precisasse) que assim dissemina o pólen entre os ramos, onde se aninham as flores femininas. Esta é uma espécie dióica, com flores masculinas amareladas (4ª foto) e mais vistosas do que as femininas (3ª foto), decorrendo a floração em Dezembro. O fruto é uma semente castanha quando madura, com elevada percentagem do tal óleo milagroso.



As fotos são de uma colina arenosa da Ponta da Canavieira, em Porto Santo. Nesta lomba perto do mar, o solo tem a cor da argila e desfaz-se ao toque. Na década de 90 foram ali plantados inúmeros arbustos de jojoba para fazer face à intensa erosão. É que, durante os primeiros três séculos depois de ter sido descoberta pelos portugueses, a vegetação original da ilha foi sendo dizimada, fosse para dar lugar a campos de cultivo e pastos, fosse pela grande necessidade de madeira e combustível. Aposta-se agora em substituir essa floresta desaparecida por plantas resistentes a ventos fortes num ambiente semi-árido, na esperança de que possam segurar o solo e, a longo prazo, induzir um aumento de pluviosidade na ilha, apoiando desse modo o retorno do coberto vegetal autóctone. Gastando pouca água, preferindo solos pouco profundos e bem drenados, suportando elevados níveis de salinidade, não exigindo cuidados especiais de cultivo e apreciando um clima mediterrânico seco, a jojoba parece ideal para controlar a desertificação na ilha de Porto Santo.

Apesar do risco, por se tratar de espécie exótica, à jojoba pede-se também que ajude a aumentar a biodiversidade em locais onde outrora só se plantou o pinheiro mediterrânico Pinus halepensis, num regime de monocultura que outrora se adoptou, não sem perigo como hoje sabemos, nos pinhais de Leiria.

22/05/2021

O dever de não ver

Ranunculus ollissiponensis Pers.
Como crianças na hora do recreio, temos finalmente autorização para passear ao ar livre e admirar as belezas naturais fora do nosso concelho de residência, sempre sob o olhar benévolo e vigilante dos nossos tutores. Acontece que as restrições à mobilidade e o dever geral de recolhimento domiciliário resultaram, no que às plantas de floração precoce diz respeito, em restrições à visibilidade e, mais concretamente, no dever geral de não as vermos. Ninguém nos vai indemnizar pelas flores de 2020 e 2021 que fomos proibidos de ver, e ninguém nos garante que em 2022 a proibição não seja renovada, pois há um consenso alargado de que só as férias de Verão na praia merecem ser salvas, tudo o resto podendo ser sacrificado a esse objectivo. É a mitologia cristã a funcionar: purgamo-nos de pecados mais ou menos imaginários com cilícios e abstinências, para depois, de alma purificada, podermos ascender ao paraíso — ou, neste caso, descer à praia.

O botão-de-ouro ilustrado nas fotos, de seu nome Ranunculus olissiponensis, floresce entre Março e Abril, e por isso nos dois últimos anos a contemplação das suas flores esteve interdita a todos os portugueses que morassem em concelhos urbanos. Nem os lisboetas o puderam ver, apesar de o epíteto olissiponensis sugerir que este ranúnculo se dá especialmente bem na capital portuguesa. Trata-se, de facto, de uma espécie frequente em afloramentos rochosos de xisto ou calcário no norte e centro do país, rareando contudo a sul do Tejo. Em anos desconfinados, os lisboetas podem facilmente encontrar o R. olissiponensis na serra de Montejunto, e pela mesma altura (segunda quinzena de Março) é ele que cobre de amarelo os taludes das estradas do vale do Douro.

Botões-de-ouro há muitos, e quem perdeu este ranúnculo poderá ainda ver outros em habitats bastante diversificados. Por exemplo, o Ranunculus repens e o R. bulbosus, que preferem lugares encharcados, têm floração mais tardia, que se prolonga até Junho. E, nos calcários do centro e sul do país, há um ranúnculo também amarelo que floresce no Outono, o R. bullatus.

Como distinguir o Ranunculus olissiponensis dos seus congéneres? É preciso atender ao formato e pilosidade das folhas, que têm uma textura quase sedosa, e notar que tanto as hastes da planta como as sépalas das flores (2.ª foto em cima) são cobertos por pêlos brancos compridos. Se a época for avançada, o formato alongado do fruto é um indício importante. E, finalmente, há que ver se a ecologia está certa, pois o R. olissiponensis vive sobretudo em locais pedregosos e, de preferência, soalheiros.

08/05/2021

Jardim da Boneca



É em Abril e Maio que as urzes, sargaços e malmequeres pintam de roxo, branco e amarelo as encostas da serra da Boneca, contrastando essa policromia com o negrume do xisto estratificado em lâminas aguçadas. Aproveitemos agora que os nossos pastores não proíbem a visita para admirarmos este panorama apenas com um leve sentimento de culpa — pois afinal somos imperfeitos, incapazes de nos conformamos com o recolhimento domiciliário ad aeternum em nome do bem comum. Já aqui falámos das flores da Boneca, e todas elas continuam por lá a chamar-nos. Mas hoje damos destaque a uma planta anual discreta que poucas vezes é avistada no norte do país, apesar de a Flora Iberica garantir a sua existência em todas as províncias de Portugal continental. Não esperaríamos encontrá-la tão perto do Porto, e na Boneca só a vimos ladeando um antigo trilho numa encosta íngreme e pouco frequentada.

Chaetonychia cymosa (L.) Sweet


De porte erecto e grácil mas de curta estatura — quase sempre menos que 10 cm —, a Chaetonychia cymosa, que se distribui pelo oeste da bacia mediterrânica (Portugal, Espanha, França, Marrocos, Tunísia, Córsega e Sicília), é uma planta de prados anuais em substratos siliciosos mais ou menos secos, admitindo, contudo, algum encharcamento no Inverno. É fácil de reconhececer pelo caule avermelhado e pelas folhas carnudas e lineares, dispostas em grupos bem espaçados. As flores reúnem-se em umbelas no extremidade das hastes, o que à vista desarmada faria supor tratar-se de uma umbelífera. Mas se puxarmos da lupa logo vemos que as flores desmentem a pertença a essa família. São flores difíceis de interpetrar: parecem constituídas por três peças brancas, engrossadas, rematadas por um ápice afiado. Fazem contudo lembrar as do Illecebrum verticillatum (planta comum em lugares húmidos) e as de certas espécies de Paronychia, não sendo pois de estranhar a inclusão da planta na família Caryophyllaceae. Aliás, a Chaetonychia cymosa começou por chamar-se Illecebrum cymosum, nome atribuído por Lineu, e hoje em dia há quem proponha mudá-la para o género Paronychia.

Se sabemos já em que linhagem a Chaetonychia cymosa encaixa, falta-nos ainda perceber-lhe a flor. Flor essa que, de facto, não tem pétalas, e em que são as sépalas (as tais peças brancas engrossadas) que cumprem a função decorativa e atraem os polinizadores. Cada flor tem cinco sépalas desse tipo, três delas maiores, rodeando e ocultando as outras duas. A parte reprodutiva da flor (ovário e estames) fica escondida no ninho formado pelas sépalas. Com tão estreito canal de acesso, adivinha-se que os insectos capazes de oficiar as núpcias, colhendo e transportando o polén de flor em flor, tenham de ser minúsculos. Até pode acontecer não estarem disponíveis, recorrendo então a flor à autofecundação. De facto, a autogamia é prática comum na tribo Paronychieae (que inclui Paronychia, Illecebrum e Chaetonychia e uma dezena mais de géneros), optando às vezes as flores pela clistogamia — significando isto que não chegam a abrir e mesmo assim conseguem fecundar-se.