02/07/2021

Flores e freiras

De longe, o Curral das Freiras parece uma aldeia remota, assente no fundo de um caldeirão, feita de casas brancas, muito juntas e pequeninas, rodeadas de montanhas gigantes. Vive ali gente que pastoreia gado (o lugar já se chamou Curral da Serra), cuida de castanheiros ou zela por colmeias. O acesso à aldeia foi outrora difícil, mantendo-se ali um antigo convento de freiras devidamente inacessível ao mundo profano. Furaram-se entretanto túneis, e rasgaram-se a custo estradas tortuosas e íngremes, depois substituídas por vias rápidas que permitem escoar os afamados doces e pães de castanha para o Funchal. Chegados à povoação, asseada e florida, sem a ruralidade insalubre de muitas aldeias no continente, somos recebidos por lojistas que listam com bonomia os seus produtos típicos e questionam ávidos se ficamos para almoçar.



Apesar das iguarias tentadoras (benditas castanhas; louvadas sejam aquelas abelhas), almoçamos depressa para termos tempo de explorar os túneis, as levadas e as escarpas rochosas, até porque a névoa da manhã já se dissipou e a chuva promete apenas um curto intervalo. Os taludes das velhas estradas e antigas ladeiras, hoje sem uso e pejadas de pedras, tornaram-se refúgios de vegetação endémica, alguma rara. De boa vontade ficaríamos perdidos por ali vários dias, a conhecer todas as plantas e a aprender sobre os inúmeros musgos e lagartixas.

Saxifraga maderensis D. Don


Esta saxífraga é a primeira de várias espécies que tivemos a sorte de ver floridas no Curral das Freiras durante a primeira semana de Maio. É perene e habita locais rochosos, sombrios e húmidos na zona montanhosa central da Madeira, acima dos 600 metros de altitude. Os coxins de folhas lembram os da Saxifraga portosanctana, mas na espécie S. maderensis as folhas são reniformes, com as páginas superiores glandulosas. As flores branquinhas, com anteras avermelhadas, nascem em cimeiras axilares, como é aliás frequente no género Saxifraga. Para que o leitor tenha uma ideia dos tamanhos relativos, pode anotar que cada pétala mede cerca de 1cm de comprimento.

5 comentários :

cid simoes disse...

Como sou leigo também nesta matéria fico maravilhado com tudo o que publicam
Saúde da melhor,

Luís disse...

Olá, gente boa com árvores.
Estou a tentar escrever sobre a canforeira de Bencanta. Se algum de vocês me puder fornecer elementos de qualquer natureza sobre este fascinante ser vivo, agradeço imenso.

Luís Januário

ljanuario@gmail.com
ou
926751674

Francisco Clamote disse...

Só maravilhas!

Paulo Araújo disse...

Caro Luís Januário:

Sobre a canforeira de Bencanta (que nunca visitámos), só sabemos o que tem sido escrito por aí a propósito da sua quase eleição para árvore do ano em 2019. Pelas fotos, é com certeza muito mais volumosa do que as canforeiras que conhecemos aqui no Porto. No livro À sombra de árvores com história (que representa a pré-história deste blogue), o capítulo 9 é dedicado às canforeiras do Porto, em especial à que está junto à Faculdade de Arquitectura. O capítulo tem ainda alguma (escassa) informação geral sobre a canforeira e a caneleira (do mesmo género botânico e também cultivada em jardins). Se não tiver o livro, e se achar que lhe pode ser útil, posso enviar-lhe um pdf desse capítulo.

Paulo Araújo

bettips disse...

Coisas pequeninas na grandeza dos montes. "musgos e lagartixas" eh eh eh, que entretimento incomum!