Orquídeas da serra e da rocha
Acontece-nos com a flora da ilha da Madeira o que por vezes sucede ao reencontrarmos uma pessoa que conhecemos noutras circunstâncias: temos uma vaga lembrança da cara, hesitamos no nome, e a ajuda para nos poupar o embaraço só chega, por vezes tarde de mais, quando a memória nos revela de onde a conhecemos. Na flora madeirense, alguns arbustos lenhosos têm uma tal semelhança com plantas continentais que juraríamos serem com elas aparentadas. E são, embora as primas continentais, postas em contraponto, não passem de herbáceas frágeis e mirradas. Na ilha, resultado de um processo muito bem sucedido de adaptação a um novo habitat, as espécies que julgamos idênticas às continentais produzem indivíduos vigorosos, com flores grandes ou inflorescências vistosas, frequentemente com a folhagem densa e acumulada na ponta dos galhos para se elevarem na floresta.
A ilha da Madeira é sem dúvida um dos refúgios de flora mais notáveis e bem conservados. Para além do que resta das lauráceas que (antes de nascerem o mar Mediterrâneo e o deserto do Saara, e de várias crises climáticas assolarem o planeta) também existiram no que é hoje o sul da Europa e o norte de África, há na ilha da Madeira inúmeras espécies endémicas de géneros que ainda ocorrem no continente. É o caso de duas orquídeas que começam a florir no fim da Primavera.
A primeira é rara e vive, em regra, acima dos 1100 metros, em escarpas rochosas (daí o epíteto scopulorum) expostas aos ventos alíseos de nordeste e aos andares de nuvens, que arrefecem a encosta norte e a zona montanhosa central da ilha da Madeira. Estes ingredientes atmosféricos provocam uma «chuva horizontal» quase permanente, responsável pela manutenção do extraordinário coberto vegetal desta região da ilha. Do género Orchis, que em Portugal abriga onze espécies, esta orquídea pode chegar aos 65 cm de altura e exibir uma espiga com duas dezenas de flores. O labelo é mais pálido do que os outros segmentos da flor, criando um contraste de cor que decerto não passa despercebido aos polinizadores. As primeiras fotos são do Pico do Areeiro, num momento raro em que uma das nuvens se rompeu e destapou o sol; as duas últimas são de plantas junto à levada do Caldeirão Verde (a uma altitude anormal para a espécie), onde, no início de Maio, a floração já ía mais avançada.
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