18/09/2021

Leituga vice-campeã



Na flora dos arquipélagos atlânticos sobressaem certas plantas lenhosas, às vezes de porte arbóreo, cujos antepassados continentais mais próximos são humildes herbáceas que raramente atraem a nossa atenção. Um exemplo é dado pelas leitugas (ou serralhas) do género Sonchus nas Canárias e na Madeira, que se diversificaram nas ilhas a tal ponto que hoje são reconhecidas mais de 30 espécies. Nem todos os membros dessa linhagem tão heterogénea desenvolveram caule lenhoso ou hábito arbustivo, pois alguns não ocuparam habitats que exigissem tais adaptações. Na Madeira, a campeã indiscutível entre as leitugas chama-se Sonchus fruticosus, que vive na laurissilva e atinge os 4 metros de altura. O ensombramento permanente da laurissilva, formada quase toda ela por árvores de folhagem perene, obrigou as plantas a crescer em altura em busca de luz. Em contraste, o Sonchus ustulatus, morador das falésias do litoral da ilha, não teve qualquer necessidade de esticar o pescoço para chegar à luz; teve, isso sim, que moderar o crescimento (não é mais avantajado do que os seus antepassados continentais) por força do vento e da pobreza do substrato pedregoso em que lhe calhou viver.

Sonchus pinnatus Aiton


Por desacerto de calendário, não tivemos ainda ocasião de ver Sonchus fruticosus em flor. Por sorte, há na Madeira uma outra leituga arbustiva, Sonchus pinnatus, que acedeu a florir no princípio de Maio e a posar para uma sessão fotográfica. Com os seus 2 metros de altura máxima, esta leituga é, na Madeira, a vice-campeã de um campeonato a três — ou a quatro, se atendermos às duas subespécies de S. ustulatus. Vivendo preferencialmente no interior da ilha, em escarpas rochosas entre os 1000 e 1400 metros de altitude, também não desdenha instalar-se perto do mar: as fotos são do litoral de São Vicente. Além de se distiguirem no porte e no habitat, os dois Sonchus arbustivos madeirenses diferenciam-se pelo tamanho dos capítulos florais (os do S. pinnatus têm de 7 a 10 mm de diâmetro, os do S. fruticosus têm-no duas a três vezes maior) e pelo formato das folhas (as do S. pinnatus são mais estreitas e mais profundamente sulcadas).

Estudos filogenéticos dão suporte à ideia de que todos estes Sonchus das ilhas descendem de um antepassado comum, e que só depois de colonizarem as Canárias é que aportaram à Madeira, vindos provavelmente de Tenerife. Comprovando este parentesco, o Sonchus canariensis (ou cerrajón arbóreo) tem fortes semelhanças com o S. pinnatus. Mas é igualmente interessante conhecer o S. acaulis (fotos em baixo), uma espécie tenerifenha (presente também na Grã-Canária) que faz a ponte entre as pequenas herbáceas do litoral e os arbustos gigantes da laurissilva. As folhas do S. acaulis (ou cerrajón de monte) dispõem-se numa grande roseta basal sobre um caule lenhoso reduzido ao mínimo, e do centro dessa roseta emerge uma única haste simples, de textura herbácea, com 1 a 1,5 m de altura (às vezes mais), encimada por uma umbela de grandes capítulos amarelos, cada um dos quais com 2,5 a 4 cm de diâmetro. Vive em escarpas e clareiras de pinhais em altitudes até 1800 metros, e é mesmo capaz de colonizar áreas urbanas — é frequente vê-lo a crescer nos telhados ou paredes dos velhos edifícios da cidade de La Laguna, em Tenerife (ver fotos aqui).

Sonchus acaulis Dum. Cours.

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